| CRÍTICAS | Fragmentado

Já houve uma altura em que M. Night Shyamalan andava nas palminhas de toda a gente. Afinal de contas, a sequência O Sexto Sentido, O Protegido, Sinais e A Vila era imbatível. E depois, contra todas as previsões, veio o descalabro. É que, de todos os filmes seguintes, não há nenhum de que se diga benza-te Deus. Nem sequer é uma questão de serem menos bons. São mesmo maus. E também nem tem nada a ver com o facto de ter ficado preso a uma fórmula refém de um twist final, porque Shyamalan tentou fazer alguns filmes que nada tinham a ver com isso.

E eis que Fragmentado surge como o título que afugenta de vez a malapata. Depois de se atirar ao found footage, no anterior A Visita, M. Night Shyamalan regressa às raízes, que é como quem diz, ao thriller psicológico. Mas fá-lo como nunca o fez: de forma fria e calculista, sendo provavelmente o seu filme mais negro até há data.

James McAvoy é então um tipo com um distúrbio de personalidade, que vive numa espécie de cave sem janelas, que só aumenta o desconforto e a claustrofobia do espectador. McAvoy tem personalidade múltipla. 23 personalidades diferentes, para ser mais exacto. E a dominante é a de um tipo com a mania da limpeza e uma estranha obsessão por ver jovens a dançar, que vai raptar três miúdas (Anya Taylor-Joy, a principal o grupo, até porque é a única a quem é dado um background, Haley Lu Richardson e Jessica Sula) para embarcar num estranho ritual para libertar a 24ª personalidade: a de uma esta sobrenatural e apocalíptica(!).

Shyamalan foi durante muito tempo considerado o sucessor de Alfred Hitchcock, pela forma como filmava, colocava a câmara na maior parte das vezes no enquadramento mais improvável e manipulava o suspense. No entanto, em Fragmentado, é no formalismo de Stanley Kubrick que o realizador indiano parece se ir influenciar. Ou então em Ulrich Seidl ou Markus Schleinzer, já que estamos a falar de raparigas fechadas em caves e os austríacos parecem ser especialistas nisso.

Com uma paciência glacial, M. Night Shyamalan vai fazendo de Fragmentado uma panela de pressão, que promete explodir no final. E nesse terceiro acto, há por momentos a ideia de que não vai aguentar e o filme vai esbardalhar-se. Mas é só um pequeno tropeção e Fragmentado aguenta-se até ao final, mesmo que o fim “sobrenatural” possa trazer alguns dissabores. No entanto, tal como nos seus melhores filmes (leia-se Sinais ou O Protegido), também Fragmentado não é o que parece. O fantástico é apenas uma ferramenta para montar uma metáfora, num filme que é verdadeiramente sobre as vítimas da sociedade, que acabam excluídas por qualquer motivo.

O último parágrafo deste texto serve ainda para deixar loas a James McAvoy. É ele que, ao interpretar várias personalidades que não se limitam só a mudanças de roupa, de sotaque ou a fazer caretas, permite ao filme ganhar também uma costela perturbadora. E, claro, existe ainda uma espécie de twist final, que não é bem um twist, mas que o é também, e que não só serve para anunciar o próprio filme de Shyamalan como serve para deixar os seus fãs malucos. Fragmentado chuta para canto a malapata e nós não podíamos estar mais satisfeitos com este McRoyal Deluxe. Bem-vindo de volta, Shyamalan.Título: Split
Realizador: M. Night Shyamalan
Ano: 2016

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *