| CRÍTICAS | Blade Runner 2049

O frenesim das sequelas, prequelas, remakes e afins de Hollywood não respeita nada nem ninguém, incluindo os monstros sagrados. Por isso, quando decidem fazer a sequela de Blade Runner – Perigo Iminente, com a complacência do próprio Ridley Scott, o que nos resta fazer? Nada, apenas sentar-nos confortavelmente na cadeira e tentar apreciar, já que ficar indignado não só não resolve nada, como ainda nos pode provocar uma úlcera.

Se havia alguém que tinha unhas para esta guitarra era Denis Villeneuve, se bem que a sua incursão anterior pela ficção-científica tinha sido um bocadinho coiso e tal (alguém mencionou O Primeiro Encontro?). Villeneuve procura, primeiro: não atraiçoar a memória do filme original, e segundo: dar-lhe continuidade e não ser só apenas mais um encher de chouriços com os olhos postos no cheque final. E, mais ou menos, consegue-o. O que é desde logo uma vitória.

Blade Runner 2049 passa-se 20 anos depois do anterior (mas qual anterior se existem 8 versões diferentes? Aparentemente, segundo o realizador, da versão definitiva de Scott). Um ricaço refez os replicantes, que agora são ainda mais obedientes. E os blade runners continuam a caçar os replicantes fugitivos que sobram. Para quem não sabe, um replicante é um andróide em tudo semelhante aos humanos, que em tempos começaram a ganhar consciência da sua existência; e os blade runners são polícias que lhes fazem a folha.

Quando o agente K (Ryan Gosling) vai capturar um curto, mas intenso Dave Bautista (quem diria que o ex-wrestler ia ter uma carreira cinematográfica séria?), de repente surgem uns indícios que podem vir a ser o princípio de qualquer coisa importante (e estão directamente relacionadas com o primeiro filme, com o canastrão do Jared Leto em modo cego e do Harrison Ford).

Blade Runner 2049 já não é tanto o noir cyber-punk que era o filme de Ridley Scott, sendo mais um thriller policial cyber-punk. Aliás, há um momento em que Gosling até anda com o nariz todo amassado, de penso gigante, e não conseguimos deixar de pensar ChinatownForget it, Jake. It’s Chinatown!, terminava o filme de Roman Polanski. E aqui apetece-nos dizer forget it, it’s Los Angeles. Mas uma Los Angeles futurista, distópica. É que a cidade volta a ser parte integrante do filme, aquela cidade amoral, construída em altura, por entre neons, product placement (até há um billboard gigante à Atari em referência a Blade Runner – Perigo Iminente) e chuva constante.

Mas a novidade é que Villeneuve leva-nos pela primeira para fora dos limites da cidade. Vamos a territórios pós-apocalípticos que podiam ser cenário do Um Rapaz e o Seu Cão (um orfanato-fábrica de trabalho infantil em ruínas), a uma Las Vegas deserta e a outros tantos cenários que no ecrã grande do cinema ficam que nem ginjas (ou então no wallpaper do computador). Mandem embrulhar já o Oscar para a fotografia de Roger Deakins.

Blade Runner 2049 não só continua Blade Runner – Perigo Iminente, como expande o seu imaginário, levando-o mais longe, sem trair a sua memória. Formalmente, continua a ser um filme de aparente solenidade, que vai beber as mesmas referências: a distopia de George Lucas de THX 1138, o pós-apocalismo de La Jetée de Chris Marker e, claro, Andrei Tarkovsky, principalmente Stalker. Aliás, a forma como Villeneuve estende o tempo faz lembrar o mestre russo, se bem que não é Tarkovsky quem quer, mas quem pode. E Blade Runner 2049 podia muito bem ter menos que as quase três horas, porque a sua trama até é bem simples e, às vezes, parece atirar o seu protagonista para peripécias que soam desnecessárias.

O filme irá sempre sofrer por ser a sequela que é. Por isso, Blade Runner 2049 é um trabalho que só tem a ganhar com o passar do tempo. No entanto, até lá já tem uma vitória que ninguém lhe tira. Soube continuar o legado desse filme de culto que é um cânone da ficção-científica sem o envergonhar. E, melhor ainda, de levar para casa um McBacon. Que é vitória bem mais saborosa, diga-se.
Título: Blade Runner 2049
Realizador: Denis Villeneuve
Ano: 2017

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