| CRÍTICAS | O Sabor da Cereja

Existem duas formas de encarar O Sabor da Cereja. A primeira é ver o sucesso do filme na edição de Cannes de 1998 como uma decisão política, depois de Abbas Kiarostami ter aparecido no festival à última da hora, quando o Irão o tinha proibido de sair do país; e a segunda é vê-lo como um pequeno poema sobre a vida e a morte, filmado com grande sensibilidade e tacto. Várias pessoas, como Roger Ebert por exemplo (que confessava detestar o filme), via-o apenas da primeira forma; mas mais ainda vêem-no como a obra-prima do mestre iraniano, considerando-o mesmo como um dos grandes títulos de sempre.

É impossível não reconhecer nessa Palma d’Ouro, que levou para casa ex-aequo com o japonês A Enguia, um gesto político e uma afirmação por parte do festival. Mas ignorar os méritos do filme de Kiarostami também é injusto para esta história de um homem, Badii (Homayoun Ershadi, que então era apenas um arquitecto sem aspirações cinematográficas e que depois deste papel acabou por chegar, inclusive, a Hollywood), que procura ajuda para morrer. Para isso, percorre as ruas de Teerão a tentar convencer alguém a ir enterra-lo na manhã seguinte. Mas isso é mais difícil do que parece.

A bordo do seu Range Rover, Badii aborda várias pessoas (inicialmente até parece que está ao ataque, o que, tendo em conta a realidade em que estamos, começa por ser um choque), que fazem um retrato do Irão do seu tempo: um soldado, um operário, um seminarista e um velho taxidermista. Tal como qualquer road movie, o que interessa não é o destino, mas sim a própria viagem em si, e aqui não é excepção. Até porque, como alguém já escreveu, O Sabor da Cereja é o road movie mais road movie de todos. Isso significa que há um simbolismo inerente a todas as personagens. E depois há aquela cena final, em que Kiarostami desmonta o aparelho cinematográfico sem qualquer aviso, apanhando-nos completamente desprevenidos. Já se escreveram teses de mestrado sobre essa cena e já se especulou mundos e fundos sobre o que quer dizer, apesar do próprio realizador dizer que não significa nada de mais, que a película original danificou-se e ele usou as provas de teste. Cá para nós, mais valia ter ficado quieto e não ter usado nada. Aqueles momentos finais, ao som de St. James Infarmiry, é só um momento escusado.

Kiarostami filma O Sabor da Cereja com uma economia visual, que não é a mesma coisa que economia narrativa. Se enquanto o senhor Badii vai no carro a câmara se limita ao campo, contra-campo e às panorâmicas exteriores, quando este sai do Range Rover Kiasrostami escolhe sempre a forma mais simples, e simultaneamente mais bela, de mostrar o que quer dizer. Se O Sabor da Cereja terminasse naquele momento em que Badii se deita na cova que ele próprio abriu para si (e há tanto para dizer sobre este gesto) o McBacon saberia tão bem melhor.

Título: Ta’m e Guilass
Realizador: Abbas Kiarostami
Ano: 1997

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