| CRÍTICAS | A Nona Porta

Tal como a maioria dos músicos que fizeram sucesso nos anos 60 e 70, também Roman Polanski padeceu do síndrome dos anos 80. Para quem não sabe, este síndrome foi um vírus que atacou a maioria dos músicos dessa altura, que num misto de dormência do bom gosto e de se terem acomodado ao sucesso e ao conforto da idade, criaram uma série de obras de qualidade duvidosa. Muitos demoraram anos a conseguirem reerguer as suas carreiras e outros tantos viram-nas para sempre arruinadas. Os Rolling Stones, o Stevie Wonder, o David Bowie… e, no cinema, o Roman Polanski.

A Nona Porta apanhava então Polanski na fase mais irrelevante da sua carreira, mas trazia um motivo de interesse inevitável. É que era o regresso do mestre polaco ao tema do satanismo e do ocultismo, décadas depois de A Semente do Diabo, obra-prima que acabaria por se misturar com a sua vida pessoal por causa de… bem, vocês sabem porquê.

Johnny Depp é então um comerciante de livros raros, com uma moral meio duvidosa, que é contratado por um ricaço (Frank Langella) para descobrir se as três cópias existentes do The Nine Gates of the Kingdom of Shadows são falsas ou verdadeiras. Isto porque ele acabou de comprar uma delas. As outras duas estão com um coleccionador em França e outra com um em… Sintra. No entanto, a encomenda de Frank Langella pode ter água no bico, já que Johnny Depp se vai ver envolvido em perseguições, assassinatos misteriosos e roubos violentos.

The Nine Gates of the Kingdom of Shadows é uma espécie de livro de São Cipriano, que supostamente permite invocar o Chifrudo e que foi escrito e desenhado pelo próprio (ou sob supervisão próxima de). Isso significa que A Nona Porta tem um contexto paranormal, até porque Depp vai ter a ajuda da misteriosa Emmanuelle Seigner, que quando ele não está a ver voa(!) e despacha uns meliantes com inesperados golpes de artes-marciais. Tudo isso, aliado ao facto do filme ter sido feito em 1999, ou seja, em plena véspera da passagem do milénio e das ameaças da vinda do Anticristo, dão-lhe um toque especial de oculto (Schwarzenegger também tentaria a sua sorte no género com o musculado Os Dias do Fim).

A Nona Porta tem um certo ar de série b, o qual é ampliado por uma certa displicência do argumento. Por exemplo, a forma como Johnny Depp trata um dos livros mais raros do mundo, manejando-o de qualquer forma, ajuda a dar esse ar xunga ao filme (só falta mesmo uma cena em que estivesse a le-lo na casa de banho). Isso não lhe fica propriamente mal, até porque durante muito tempo o filme anda em modo de thriller internacional, com Depp a saltitar entre Nova Iorque, Paris e Portugal.

Não foi este o filme que arrancou Polanski da irrelevância que a sua filmografia caíra na década de 80 nem é tão pouco o seu melhor trabalho dessa década e meia (esse galardão é bem capaz de pertencer a Frenético). Mas, coincidência ou não, o que é certo é que, logo a seguir, veio O Pianista. Por isso, A Nona Porta acumula crédito suficiente para que este McChicken saiba a pato. 

Título: The Ninth Gate
Realizador: Roman Polanski
Ano: 1999

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