| CRÍTICAS | Barbara

A desmontagem do processo fílmico em pleno filme é algo que nos baralha, por mais preparados que estejamos para ele. Não é por acaso que não se deve quebrar a quarta parede, sob o risco de colocarmos em causa a suspensão da descrença. Afinal de contas, quando estamos a ver um filme, a última coisa que esperamos ver são as pessoas a fazerem o próprio filme. Aliás, o caso mais célebre de todos em que isto acontece já deu inclusive azo a mil e uma teses de mestrado (olá O Sabor da Cereja, como estás?).

Quando isso acontece em Barbara, depois de uma longa sequência em que vemos a diva da chanson françoise Barbara em casa, a compor e a divagar, demoramos até nos recompor. Alguém grita corta, Jeanne Balibar sai de personagem e Mathieu Amalric entra em cena. É ele o realizador do biopic de Barbara que o próprio Mathieu Amalric está a realizar sobre Barbara. Perceberam? E um filme dentro filme dentro filme.

Barbara não é um filme fácil, assim como não seria também um biopic tradicional sobre Barbara. Amalric preferiu, em vez da vida e obra, captar a essência da música e do ser daquela cuja voz só é ultrapassada, em reconhecimento, pela de Edith Piaf (na sua França natal, claro). Por isso, Barbara é uma espécie de experiência imersiva, que funciona igualmente como jogo de espelhos. Ou como uma espécie de rima muda com Actores, a peça de teatro que Marco Martins tem actualmente em cena no São Luiz e que explora o trabalho dos actores com as suas próprias personagens.

Barbara é tanto um biopic como era, por exemplo, I’m Not There – Não Estou Aí. A diferença é que, quando perde o pé, Amalric tem aqui uma âncora a que pode lançar sempre a mão. Essa âncora chama-se Jeanne Balibar e quando canta tudo o resto fica em suspensão. Já a tínhamos visto assim em Ne Change Rien, de Pedro Costa, mas aqui há mais qualquer coisa que não dá para explicar. Barbara não é propriamente um filme conseguido, mas que todos os filmes falhados fossem como este Double Cheeseburger, de Mathieu Amalric.

Título: Barbara
Realizador: Mathieu Amalric
Ano: 2017

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