Da última vez em que tivemos dificuldade em reconhecer Charlize Theron no grande ecrã, a coisa correu-lhe particularmente bem. Em Monstro, a actriz sul-africana surgia irreconhecível no meio de tanta prótese para se tornar na serial killer Aileen Wuornos e acabaria por conquistar a crítica, o público e até um Oscar. Agora, em Tully, a transformação não é assim tão radical, mas Theron volta a dar o corpo ao manifesto e engorda consideravelmente, ficando com uma barriga de camionista, para se transformar numa mãe de três filhos da classe média dos subúrbios norte-americanos.
Já todos nós tivemos momentos em que parámos para reavaliar a nossa vida. E, normalmente, quando o fazemos acabamos por ficar deprimidos, por reconhecermos que os objectivos que havíamos traçado para nós próprios enquanto jovens não estão propriamente a ser seguidos. Para Marlo (Charlize Theron), esse momento aconteceu ali uns tempos antes de dar à luz o terceiro filho: um bebé a vir, um filho com necessidades especiais, um marido que passa mais tempo a viajar e agarrado à Playstation do que a fazer propriamente companhia, uma carreira profissional pouco mais do que zero e uma vida sexual em hiato prolongado. Por isso, quando decide aceitar ajuda de uma ama nocturna, Tully (Mackenzie Davis), a vida de Marlo vai mudar, salva por aquela espécie de versão sua mais jovem: um espírito livre, cheia de sonhos, planos e uma vida inteira à sua frente.
O realizador Jason Reitman volta a fazer equipa com a argumentista Diablo Cody e com Charlize Theron, depois de Jovem Adulta, para mais um filme sobre as dores da vida, o desencanto da vida adulta e um retrato agridoce da classe média suburbana norte-americana, com o qual nos é fácil identificar. Jason Reitman é uma espécie de Alexander Payne mais pop e Diablo Cody continua a transpor para os seus argumentos sinais que são claramente autobiográficos: a selfmade woman, mãe de filhos e a lutar com todas as forças por uma vida de pleno sucesso a todos os níveis.
São três nomes que já deram provas que se sabem movimentar neste território e, em Tully, só se deparam com um problema: com o facto do argumento ser mais espertalhão do que esperto. Isso significa que aposta tudo num twist que tenta sacudir o filme, como se as crises de meia-idade e a depressão pós-parto não fossem tema interessante o suficiente. O twist é frágil e pouco credível e isso afecta o filme, que de resto é impecável: bem filmado, bem gerido e com uma Charlize Theron a dar vida na perfeição aos diálogos escorreitos de Diablo Cody (que é mesmo a sua especialidade maior). Não há nada a fazer a este McChicken. Por mais que se esprema e abane o saco, não dai daqui nem mais uma batata frita.Título: Tully
Realizador: Jason Reitman
Ano: 2018