| CRÍTICAS | Almas Perversas

O film noir, uma instituição do cinema clássico de Hollywood, teve a sua génese no outro lado do Atlântico, mais propriamente no expressionismo alemão. E, nomeadamente, pela mão dos realizadores germânicos que se exilaram nos Estados Unidos para fugir à Segunda Grande Guerra. Fritz Lang foi um desses nomes e, apesar da sua carreira em terras do Tio Sam ter sido mais fraquinha que a sua fase alemã, ao menos o seu salto do Atlântico serviu para ajudar ao nascimento e à consolidação do film noir.

Almas Perversas é, quiçá, o melhor filme da fase americana de Lang ou, pelo menos, o mais celebrado. Isto apesar de ser bastante semelhante a Suprema Decisão. Depois do sucesso deste, os produtores procuraram repetir a fórmula, variando um pouco a história, mas mantendo os actores e o realizador.

O filme conta então a história de um tipo bastante ordinário, Cris Cross (Edward G. Robinson), oprimido pela mulher e deprimido pelo trabalho, que sonha apaixonar-se a sério e dedicar o seu tempo à pintura naif. Esse amor parece então surgir no corpo da bela Kitty March (Joan Bennett), mas que afinal vai tentar apenas espemer-lhe todo o dinheiro que conseguir, manipulada pelo namorado (proxeneta?) todo pintas, Johnny Prince (Dan Duryea).

Tal como os seus quadros, Cris Cross é apenas um tipo bastante ingénuo, que se deixa enrolar pelo encanto da femme fatale. Edward G. Robinson, que um dia esteve quase a ser Don Corleone, tem aqui o seu papel mais perturbado, numa história em que, como é costume no noir, ninguém sai ileso e todos têm podres e esqueletos no armário. E Almas Perversas está quase a ser um filme amoral se calha a acabar 15 minutos antes, quando, num fim surpreendente (especialmente se tivermos em conta o ano em que o filme foi feito), o mau sai impune dos seus actos.

E, por falar em film noir e em expressionismo alemão, esss 15 minutos finais só não estão a mais, porque têm uma bela cena (um misto de O Gabinete do Dr. Caligari com Edgar Allen Poe), que mostra por 2 mais 2 a influência que esse estilo alemão teve no noir americano. No seu quarto mergulhado em sombras tremulezentes pelos neons que entram pela janela, Criss Cross enterra-se em paranóia, numa cena altamente perturbadora e, simultaneamente, barrocamente encenada. Vale a pena esperar por esta cena para devorar o McChicken, acreditem.

Título: Scarlet Street
Realizador: Fritz Lang
Ano: 1945

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *