Um padre irlandês com queda para as artes é convidado para pintar o retrato de uma menina. No dia seguinte, a menina desaparece misteriosamente de casa, sem deixar rasto. Mas mais misterioso ainda é o facto de que a sua figura desaparece também no quadro que o padre pintou. Já todos nós vimos o Regresso ao Futuro para saber o que isso significa, não é? Porque isso de pinturas e fotografias é tudo o mesmo.
A escultora norte-americana Melanie Thomas (Anna Margaret Hollyman), fascinada por esse e outros mitos urbanos irlandeses sobre desaparecimentos, prepara uma exposição com diaporamas dedicada ao tema, que chama a atenção (por bons e maus motivos) de várias pessoas. Uma delas é o próprio padre de que falámos no parágrafo anterior, que, fascinado com a escultura sobre o seu caso, convida a artista para uma residência artística na sua mansão antiga e assombrada, onde está em reclusão desde o misterioso caso do desaparecimento e a sua renúncia ao sacerdócio.
Temos então uma americana a viajar para uma antiga mansão gótica no meio do nada, onde vivem dois velhos caquéticos e um mordomo mudo, que podia muito bem pertencer à família Adams. Por isso, topamos logo à distância onde é que Don’t Leave Home nos leva. Um filme de assombrações com uma forte ligação telúrica e carga folclórica, ou não estivessemos nós em pleno coração da Irlanda, com aquela música celta irritante que se houve em todas as feiras medievais do nosso país.
Mas mais irritante do que feiras medievais (a sério, não há coisa mais irritante do que essa tendência parva que faz com que cada terreola do nsso país tenha agora um qualquer fim-de-semana medieval, sabe lá Deus porquê) é o facto de Don’t Leave Home ter uma escala de mero telefilme de prestígio inglês. Não se percebe se o realizador Michael Tully está a tentar captar algum ambiente especial com isso, porque se o estava falhou redondamente. É que apenas a cena inicial, que recupera o estranho caso da pintura do padre, filmado em 4:3 e com um granulado que lhe dá um certo ar artesanal, tem uma certa piada, relembrando outro filme fantástico com sabor a passado, que era O Estranho Caso de Angélica, de Manoel de Oliveira.
Assim, Don’t Leave Home limita-se a alinhavar meia-dúzia de lugares-comuns de filmes sobre casas assombradas e remata tudo com um final fantástico e surrealista, que não lhe acrescenta nada de bom. E toda a reflexão sobre a dicotomia entre arte e religião que aflora ao início são apenas ideias veladas, que não têm qualquer expressão no filme, quando poderiam ser o mais interessante, como uma espécie de Dorian Gray versão católica. Um Cheeseburger já quase a passar do prazo de validade.
Título: Don’t Leave Home
Realizador: Michael Tully
Ano: 2018