Hugo Weaving tem construído uma filmografia de grande virilidade, a maior parte das vezes a fazer de mauzão e sempre de durão. Está no universo Marvel como o tirano Caveira Vermelha, é o terrível Agente Smith em Matrix, é um dos chefes dos elfos no Senhor dos Anéis, é o vingador V de V de Vingança e até é a voz do Megatron. E, contudo, a primeira vez que o vimos foi de lantejoulas e sapatos de plataforma, no papel da drag queen Mitzi.
Priscilla, Rainha do Deserto é um road movie sobre três drag queens (Hugo Weaving, mas também outros dois durões, o então muito jovem Guy Pearce e Terence Stamp, esse mesmo, o General Zod de Super-Homem 2), que vão de Sidney a uma terreola perdida qualquer no interior da Austrália para actuarem num casino num autocarro de escola pintado de cor-de-rosa choque (de lavanda, desculpa Guy Pearce) e baptizado de Priscilla.
Tal como em todos os road movies, também neste o destino é o que pouco interessa. E este viagem não podia ser mais interessante, uma espécie de extravaganza excêntrica e camp, muito camp, de vestidos brilhantes, música disco, muita brilhantina e atitudes de diva. Priscilla, Rainha do Deserto é tão exagerado que, por vezes, quase se torna onírico ou surrealista. É como as situações bizarras e exageradas dos filmes de Emir Kusturica, mas com gays em vez de ciganos.
Tendo em conta que os protagonistas são drag queens, é óbvio que se vai falar de discriminação, intolerância e outras formas de segregação social ao longo do filme, mas o realizador Stephan Elliott é mais inteligente que isso e, exceptuando um par de episódios com discursos de ódio e os inevitáveis olhares de estranheza dos saloios, não se limita aos lugares-comuns e aos clichés. Por exemplo, é incrível a cena em que Terence Stamp acaba a fazer um concurso de shots com uma lésbica, convencida que é mais macho que aquelas borboletas e, portanto, mais respeitável.
O saudoso Roger Ebert comparou certa vez Priscilla, Rainha do Deserto a Easy Rider, na medida em que ambos são a história de três outsiders (hippies ou drag queens, não itneressa) em viagem, tanto física quanto interior. A comparação não podia ser mais bem esgalhada. E, tal como no filme de Dennis Hopper, a paisagem norte-americana era também ela uma personagem fundamental para se perceber o contexto socio-cultural daqueles homens, também aqui o outback australiano tem um papel importante na redenção (ou na procura de) dos seus viajantes.
No final, todos chegam a algum lado. Hugo Weaving reencontra o seu filho e assume finalmente a faceta de pai, Terence Stamp reconcilia-se com o seu passado e Guy Pearce sossega um pouco a sua teenage angst. E nós vamos com eles estacionar a Priscilla na garagem para irmos todos comer um McBacon, sem antes terminar com o melhor momento musical ao som dos ABBA (embrulha Mamma Mia!).
Título: The Avdentures of Priscilla, Queen of the Desert
Realizador: Stephan Elliott
Ano: 1994