| CRÍTICAS | O Justiceiro sem Olhos

O western tem uma vasta história de apropriação dos filmes de samurais. O mais popular será, provavelmente, o clássico Os Sete Magníficos, mas Sergio Leone nunca escondeu o seu fascínio pelo cinema japonês e a sua influência na trilogia dos dólares. Outro caso flagrante é o de O Justiceiro sem Olhos, filme tardio do western spaghetti, que se inspira no espadachim cego Zatoichi, mas trocando-lhe a espada por uma espingarda.

Não foi a única vez que o western spaghetti se enamorou pelo famoso samurai cego, mas enquanto que, em Balas Assassinas, o herói só fica cego no último acto do filme, em O Justiceiro sem Olhos ele já o é antes do filme começar. Tony Anthony (conhecido simplesmente como Blindman, ele que também é simplesmente o Stranger numa outra trilogia) utiliza uma espingarda para se guiar, tem um cavalo tão esperto quanto o Jolly Jumper e tem um mapa cravado em pele que deve ser uma versão antiga do braile. Mas não falha um tiro e não deixa de fazer justiça pelas próprias mãos.

O western spaghetti sempre deu prioridade aos anti-heróis, até porque o velho Oeste era um local de bandidos e foras-da-lei, que não podiam ter qualquer moral para serem um exemplo de qualquer espécie. Mas até dentro desse arquétipo, Tony Anthony envergonha os anti-heróis. É que ele vai à caça dos manos bandidos Candy (Ringo Starr) e Domingo (Lloyd Battista) apenas e só porque eles lhe roubaram 50 mulheres, que ele tem que entregar a uns mineiros a troco de um contrato milionário.

As 50 mulheres não são só um pretexto gratuito para mostrar muita maminha ao léu, recorrendo ao bom velho truque da exploitation. O Justiceiro sem Olhos é altamente misógino e as mulheres são apenas mercadoria que anda a ser trocada de mão em mão, durante todo o filme.

Mas esperem aí, Ringo Starr? Como assim, perguntam vocês, o baterista dos Beatles? Esse mesmo! O ano era o de 1971, os fab four tinham terminado e Ringo procurava diversificar a sua carreira. Allen Klein, o antigo manager da banda, havia entrado no mundo cinematográfico com a sua ABKCO, depois de John Lennon o obrigar a adquirir os direitos de El Topo, e assim junto-se a fome à vontade de comer. Ringo tentou compensar o seu ridículo sotaque mexicano com uma theme song meio sorumbática, mas esta acabou por ficar fora do filme, tornando-se no lado b de Back Off Boogaloo.

A banda-sonora é mesmo o pior de O Justiceiro sem Olhos, que não tem nada do fuzz do Ennio Morricone ou Stelvio Cipriani. Porque de resto, vê-se que Klein, o realizador Ferdinando Baldi e Tony Anthony andaram a ver El Topo e quiseram fazer aqui um filme cheio de momentos icónicos, como o final num cemitério abandonado, ou as perseguições às mulheres no deserto. Além da nudez, o filme é também particularmente violento e sádico, até para os padrões do género, incluindo olhos queimados com cigarros, que mostra o que Robert Rodriguez andou a ver antes de fazer Era uma Vez no México.

Ou seja, O Justiceiro sem Olhos é um dos poucos western spaghetti que tentam inovar alguma coisa no género, saindo logo por aí vencedor. Mas Tony Anthony cria aqui um anti-herói perfeito, Ringo Starr dá-lhe um toque excêntrico e o filme torna-se num dos McBacons mais apetecíveis das cauboiadas italianas.

Título: Blindman
Realizador: Ferdinando Baldi
Ano: 1971

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