| CRÍTICAS | Os Filhos do Homem

As distopias mais assustadoras não são aquelas que imaginam futuros mirabolantes para a Humanidade, mas sim aquelas em que nos revemos. Por isso, é que Os Filhos do Homem é tão perturbador, já que parece que é o nosso amanhã que está a ser representado. E se, uma dúzia de anos depois da sua estreia, ele está ainda mais actual, imaginem como vai ser daqui a outros 12 anos.

O ano é então 2027, mas podia ser 2019. Deixaram de haver bebés, pois as mulheres tornaram-se inférteis, mas os problemas não se ficam por aí: terrorismo, crise económica, emigração… isto soa-vos familiar? A novidade aqui é que o grande bastião do mundo livre é o Reino Unido. Quer dizer, não é que seja o melhor sítio do mundo, é apenas o menos mau.

Eis então que, milagre!, aparece uma mulher grávida (Clare-Hope Ashitey) e é necessário leva-la incognitamente para o único local verdadeiramente seguro: um navio em alto mar, que ninguém tem a certeza de existir. Julian (Julianne Moore) é a líder da maior NGO activista pelo direitos dos refugiados que lidera essa missão e decide pedir ajuda ao ex-marido (Clive Owen), a braços com uma crise existencial. E quando os perigos apertam e as circunstâncias mudam, Clive Owen vai ter mesmo que assumir aquela responsabilidade.

Os Filhos do Homem é assim uma mistura entre Aparelho Voador a Baixa Altitude com o 12 Macacos, tanto pelo tipo de distopia, como pelo tema. Mas depois entra em cena Alfonso Cuarón. O mexicano tira um coelho da cartola, com um virtuosismo técnico brilhante e uma capacidade para criar atmosferas acima da média. Não devíamos ficar surpreendidos com alguém que tanto é capaz de fazer filmes no espaço, como histórias mais pessoais no seu México natal ou episódios do irritante Harry Potter. E, no entanto, ficamos! Aliás, foi preciso vir um sul-americano para fazer o mais british filme de acção da história recente do cinema de acção britânico.

Quando estreou Os Filhos do Homem, Brian de Palma foi intimado a entregar a sua coroa de rei dos travellings. Cuarón sacava aqui dois ou três planos-sequência memoráveis, com perseguições automóvel, tiroteios e explosões, apenas com a ajuda de um pouco de pós-produção. Depois, o resto é levado às costas por Clive Owen, que passa o tempo quase todo descalço (é o que simboliza o seu papel de anti-herói, apanhado desprevenido no fogo-cruzado e agora, que chatice, tem que salvar o mundo), secundado pelas curtas mas essenciais presenças de Julianne Moore e Michael Caine, este em versão hippie-John-Lennon-envelhecido.

Como se isso tudo não bastasse, há ainda a banda-sonora. Obviamente que temos sempre que acarinhar filmes que usam os Kills da altura em que ainda era bons, mas colocar o Arbeit Macht Frei, dos Libertines, a tocar à entrada de um campo de concentração, perdão, de refugiados, é genial. Ou usar o Ruby Tuesday como sinal de desesperança… A filmografia de Alfonso Cuarón tem tido muitos momentos satisfatórios, mas Os Filhos do Homem será quiçá o seu Royale With Cheese mais satisfatório.

Título: Children of Men
Realizador: Alfonso Cuarón
Ano: 2006

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