| CRÍTICAS | Os Bons Amantes

Agora que também Spike Lee já tem um Oscar, começam a faltar os eternos injustiçados da Academia. Scorsese, Di Caprio, Spike Lee… já todos agraciados com uma estatueta dourada. Fica a faltar quem? Glenn Close? Enfim, temos que começar a pensar se é mesmo neste mundo que queremos viver.

Entretanto, está lançado o pretexto para recuperar Os Bons Amantes, filme de estreia de Spike Lee. Os Bons Amantes é uma história feminista quando o MeToo ainda era uma reivindicação distante e impensável, que parte daquela máxima patriarcal de que um homem com muitas amantes é um garanhão e uma mulher com muitos amantes é uma puta. Nora Darling (Tracy Camilla John) tem três amores e não sabe de qual gosta mais. No entanto, para acabar de vez com as más línguas, decide contar a sua versão dos factos e pôr tudo em pratos limpos.

Spike Lee resgata o art movie dos museus e das escolas de cinema e coloca-o directamente na rua (e na comunidade negra, até então afastada desta realidade nos filmes), tornando-o popular. Para isso, cruza a cinematografia preto e branco com o sexo e o Brooklyn, a poesia com o calão ou o jazz com o hip-hop e a música tribal. Logo de início, os actores quebram a quarta parede e dialogam directamente com a câmara. Ou será que é o documentário a ser contaminado pela ficção? O que é certo é que, com o preto e branco, o jazz e essa ferramenta narrativa pouco convencional lembramo-nos logo de Woody Allen. E ver Woody Allen é ver Fellini. E ver Fellini é ver Antonioni. E ver Antonioni é ver Bergman. E ver Bergman é ver Ozu. E a lição de cinema nunca mais acaba.

Os Bons Amantes é o típico primeiro filme, em que o recém-estreado realizador despeja todas as suas ideias de uma só vez, com a liberdade de que só o cinema independente permite. Por isso, Os Bons Amantes tem essa força e energia cinéfila, mesmo que às vezes possa ser apenas um mero laboratório de testes e ideias.

É isso que ajuda a manter o foco na história, uma narrativa urbana simples dos tempos modernos, mas suficientemente inteligente e mordaz para mostrar que havia em Spike Lee algo mais do que o normal. E ao lado de filmes como Clerks, um outro primo afastado que também trouxe a escola de cinema para as ruas e para o mainstream, Os Bons Amantes tem ainda aquele efeito de nostalgia, de quando o cinema indie era isso mesmo, independente, e não apenas mais um rótulo da indústria de Hollywood. McBacon de categoria, que abriu ainda as portas do cinema de Spike Lee por vir, tematicamente falando.

Título: She’s Gotta Have It
Realizador: Spike Lee
Ano: 1986

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