| CRÍTICAS | A Mulher Que Viveu Duas Vezes

Certa vez, durante a sua passagem pelo nosso país, Slavoj Zizek confessou que, por vezes, hesitava em escrever sobre Alfred Hitchcock, por suspeitar que já tudo foi dito sobre o mestre. Pois é, se até ele tem vergonha de o fazer, então imaginem aqui no tasco. E quando o tema é um dos seus mais aclamados filmes – A Mulher Que Viveu Duas Vezes -, a coisa ganha mesmo contornos assustadores. Vamos lá então a um chorrilho de lugares comuns.

A Mulher Que Morreu Duas Vezes, que começa logo com um genérico brutal assinado por Saul Bass, que efectuou aqui um trabalho genial complementado pelo cartaz do filme e que é um dos melhores da história do cinema, pertence à última fase da carreira do mestre Hitchcock e é um daqueles filmes que lhe valeram o epíteto de Mestre do Suspense: uma trama cheia de mistério, com ares de paranormal e de thriller psicológico.

James Stewart faz de James Stewart, com aquele seu ar de galã bon-vivant, como se fosse uma versão do Humphrey Bogart sem o mau feitio, na pele de um ex-detective com um problema de vertigens. Após abandonar as autoridades, Stewart é contactado por um amigo de longa data, que o contrata para vigiar a esposa, a bela Kim Novak, que anda a ser atacada por uns transes misteriosos e umas crises de identidade. O marido acredita que ela está possuída pelo espírito da avó maluca, mas James Stewart é um homem sofisticado que não acredita nessas tretas. Quem terá razão?

Apesar do policial misteriosos a pender para o sobrenatural, que no fundo é a base de todos os thrillers fantásticos, desde Gothika a A Verdade EscondidaA Mulher Que Viveu Duas Vezes é um forte thriller psicológico, em que são determinantes as vertigens, a obsessão e as crises de angústia do protagonista. E, por falar em vertigens, não esquecer que foi aqui que foi usado pela primeira vez aquilo que agora se chama de contra-zoom e que é o mais vertiginosoplano da história do cinema. 

Com uma banda-sonora omnipresente do habitué Bernard Herrmann, representações acima da média apesar da falta de química entre o casal principal (afinal de contas, como o próprio realizador explicou, tentando explicar o fracasso de bilheteiras do filme, James Stewart era demasiado velho para o papel) e uma história mindfucked escrita por Pierre Boileau (o senhor que também escreveu As Diabólicas), A Mulher Que Viveu Duas Vezes destaca-se sobretudo pelo trabalho de Hitchcock: o tratamento da luz, envolvendo em trevas os momentos mais perturbadores do filme e aumentando de brilho sempre que Kim Novak tinha um momento de revelação; os planos arrojados de grande escala, no topo da torre sineira ou no sopé da Ponte de São Francisco; ou as filmagens on location que, como em Intriga Internacional, dão um realismo extra ao filme.

Para terminar, referir apenas que em A Mulher Que Viveu Duas Vezes encontramos um dos pormenores mais geniais do mestre. Perto do final, na entrada para o pathos da história, Hitchcock resolve revelar tudo ao espectador, o que poderia revelar-se um erro da sua parte. Contudo, a opção não poderia ser mais acertada, deixando o espectador em suspense durante o último quarto do filme até à catarse final, não sucumbindo ao facilitismo de optar pelo twist revelador final. Pode não ser o meu Hitchcock favorito, mas nos dias bons A Mulher Que Viveu Duas Vezes é um Le Big Mac muito condizente.

Título: Vertigo
Realizador: Alfred Hitchcock
Ano: 1958

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