| CRÍTICAS | Em Chamas

Só li um livro do Murakami e não gostei nada (e o filme ainda foi pior). Uma amiga, fã incondicional do japonês, não se cansa de me explicar que Norwegian Wood não é propriamente representativo da sua obra e que devo dar-lhe uma outra chance. O que é certo é que, pelo menos até há data, nunca o fiz. Talvez me afasta também tanta unanimidade em seu redor, já que Murakami é um daqueles eternos candidatos ao Nobel.

Em Chamas adapta ao grande ecrã um contra de Murakami chamado Burning Barns, que, por sua vez, é uma espécie de releitura do conto homónimo de Faulkner. Quando a editora do japonês propôs ao realizador Chang-Dong Lee adaptar um dos seus contos, este não pensou duas vezes em aceitar tamanha conta, interrompendo uma reforma que já durava há 8 anos.

Jong-su (Ah-in Yoo) é o protagonista da história, um aspirante a escritor que encontra uma antiga colega de escola (Shin Hae-mi) de quem não se lembra. Os dois enrolam-se, mas depois de umas férias em África, ela volta atrelada ao Glen do Walking Dead, um ricaço cheio de penúrias, um estranho fascínio pirómano e que tem vida para cozinhar massa enquanto houve música(!). Fica então desenhado um triângulo amoroso, mas que nada tem a ver com os do cinema francês.

Em Chamas é um filme com mais perguntas do que respostas. Quem liga insistentemente para casa de Jong-su? O gato de Shin Hae-mi existe mesmo ou só na sua cabeça? E ela, é mesmo real? O facto do protagonista ser escritor terá algo a ver? E Glen do Walking Dead concretizou o seu plano pirómano? Chang-dong Lee dá as pistas e deixa as respostas para o espectador, num estilo muito calmo e ponderado, quase reflexivo e, dir-se-ia mesmo, literário.

Existem as habituais referências anglo-saxónicas de Murakami – Faulkner, de quem já falámos, mas também F. Scott Fitzgerald -, e Chang-dong Lee aproveita para acrescentar as suas também. Hitchcock, claro, pela natureza da história, e depois toda uma cena magnífica ao pôr-do-sol, em que prolonga a magic hour naquilo que tanto podia pertencer a um filme de Terrence Malick como ao derradeiro grande romance americano.

Quanto a Hitchcock, a referência deve-se porque, de súbito, Shin Hae-mi há de desaparecer. Mas é também aquilo que Em Chamas perde mais interesse. É que, na gestão do suspense, é como se Chang-dong Lee entrasse também em perda. Desengane-se, no entanto, se pensa que isto é algo negativo. E este McBacon irá estar, certamente, na lista dos melhores títulos do ano.

Título: Beoning
Realizador: Chang-dong Lee
Ano: 2018

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *