Dizer que Por um Punhado de Dólares é o primeiro tomo da Trilogia dos Dólares, de Sergio Leone, é claramente curto para um filme tão marcante na história do cinema em geral. É que , além disto, é ainda o filme que dá início ao mito Clint Eastwood, que até então era apenas conhecido (mas não muito) pela série de televisão Rawhide; que, apesar de não ser o primeiro western spaghetti, é o que inicia realmente o género, redefinindo o western clássico e definindo as coordenadas para o spaghetti; e que dá início a todo o cinema de acção contemporâneo, sendo o ponto de partida para muita das coisas que vemos hoje em dia.
Afinal de contas, o que é o western spaghetti? Depois do esgotamento do western clássico, especialmente com o canto do cisne O Homem Que Matou Liberty Valence, o género renascia do outro lado do Atlântico, pela mão de italianos, com dinheiro europeu e filmados em Espanha. Mas que raio sabiam aqueles tipos do que se tinha passado no Velho Oeste? Não muito e esse desconhecimento foi precisamente o que lhes permitiu incutir novo sangue naquelas histórias bolorentas sobre o quão glorioso era ser americano. Dispensaram os índios, deslocaram-se para a raia mexicana, incutiram-lhe violência gráfica a rodos e inauguraram a definição actual de entretenimento. Gente como Quentin Tarantino está-lhes inteiramente grato. E quando vemos coisas tão simples como planos de tiroteios, em que vemos atirador e vítima ao mesmo tempo a ser abatida, devemos agradecer a Leone e seus compatriotas.
O western spaghetti também nunca escondeu o seu fascínio pelos filmes de samurais e Por um Punhado de Dólares é uma revisitação de Yojimbo, O Invencível. Aliás, o filme iria mesmo dar início a uma sub-categoria do género: a do forasteiro que chega à cidade para impôr a ordem e o respeito, mas que o faz ao colocar as sangues rivais que disputam o poder local uns contra os outros. É assim uma história que tem um anti-herói como protagonista, que é manipulador, ganancioso e, apesar de íntegro, pouco honesto.
O Velho Oeste não era um local recomendável. Era terra de bandidos, num Novo Mundo fundado por malfeitores que vinham da Inglaterra e não só, fugidos de um passado menos honrado ou de uma condenação qualquer. Por isso, o Velho Oeste de Por um Punhado de Dólares (e, consequentemente, de todo o western spaghetti) é um mundo de marginais de todos os tipos (outcasts sociais também), que inaugurava também os feios, porcos e maus de Ettore Scola e da comedia all’italiana – todas as personagens são sempre homens sujos e suados, como as suas próprias almas.
O herói de Por um Punhado de Dólares é então o Homem sem Nome (que, apesar de tudo, irá ter sempre nomes diferentes durante toda a trilogia), um Clint Eastwood que logo na primeira cena aparece com o seu poncho que se tornaria imagem de marca. A outra é o olhar, sempre de olhos semicerrados, dando corpo a um fetiche de Sergio Leone: o dos grandes planos das caras dos seus actores em geral e dos seus olhos em particular. Clint Eastwood vai chegar aquela terriola mexicana e vai manipular a família Rojo e a Baxter até se dizimarem a eles próprios e libertar a bela Marisol (Marianne Koch), enquanto amealha uns dólares para a sua velhice.
Sergio Leone começa logo a ensaiar o lado iconoclasta de Clint Eastwood, que transborda estilo e coolness por todo o lado. Aliado a isto, dispensa qualquer subtileza e aposta tudo na violência (por vezes gratuita) gráfica, inaugurando também pela primeira vez aquela ideia de que a qualidade de um filme está intrinsecamente relacionado com o seu bodycount. E depois, obviamente, há o outro grande trunfo de Leone: Ennio Morricone (que aqui ainda assina como Dan Savio), que iniciava a sua colaboração frutuosa com uma banda-sonora incrível, que pela primeira vez era servida pelo próprio filme em vez de ser ao contrário.
Portanto, Por um Punhado de Dólares seria o primeiro tomo daquilo que ficou conhecido como a Trilogia dos Dólares, se bem que os seus méritos são muito mais vastos do que isso. E, mesmo assim, é o mais curto dos três filmes e aquele que tem menos a dizer. É que, dos três, foi aquele que envelheceu pior (leia-se aquele que foi refeito mais vezes). Como se um McBacon fosse alguma coisa de mau…
Título: Per un Pugno di Dollari
Realizador: Sergio Leone
Ano: 1964
Sergio Leone tinha a máxima de que, se vais fazer um filme de acção, deves fazer o maior de sempre. E sempre levou esse mote muito a sério. Por isso, depois do inesperado sucesso de Por um Punhado de Dólares, quando se viu quase na obrigação de avançar para uma sequela, Leone decidiu repetir a fórmula do primeiro e carregar na violência, no estilo e na iconografia.
Desta vez, Clint Eastwood não vai estar sozinho. O Homem sem Nome vai ter a companhia de outro caçador de prémios, o antigo militar, coronel Mortimer (Lee Van Cleef, que nasceu para ser vilão). Ambos vão procurar caçar o terrível Índio (Gian Maria Volontè), numa relação de saudável rivalidade entre duas gerações de (anti)heróis, que há de alternar entre o amor e o ódio.
Infelizmente, o Índio não é um vilão à altura deste filme. Apesar de ter um pormenor com estilo – um relógio de bolso com caixa de música incorporada, que põe a tocar sempre que vai matar alguém e só dispara quando a música termina – e de ser cruelmente violento, falta-lhe mais tempo de antena, mais carisma e, sobretudo, um papel mais forte na intriga.
Por Mais Alguns Dólares é, portanto, o filme de Clint Eastwood e Lee Van Cleef, onde Sergio Leone aumenta o bodycount, os Mexican standoff, a misoginia (há mulheres esbofeteadas à bruta) e o estilo. Clint continua a usar o poncho, Lee Van Cleef usa um armeiro pendurado no cavalo de onde se destaca uma pistola quitada e Ennio Morricone dá o tom. Desta vez, a sua banda-sonora é ainda mais omnipresente, aproximando-se muito perto do que iria ser a theme song de O Bom, o Mau e o Vilão.
Se Por um Punhado de Dólares era um McBacon e se Por Mais Alguns Dólares é tudo o que esse filme era, mas maior, mais barulhento e mais sangrento, então é fácil perceber o que este é. Um McRoyal Deluxe, obviamente.
Título: Per Qualche Dollaro in Piú
Realizador: Sergio Leone
Ano: 1965
Como não há duas sem três, O Bom, o Mau e o Vilão (um dos grandes nomes do western spaghetti, que sempre primaram pela originalidade) veio completar a Trilogia dos Dólares e da única forma que Sergio Leone soube trabalhar na sua vida: fazendo mais e maior. Assim, acrescentou um terceiro herói à contenda (Tuco (Eli Wallach), o vilão) e aumentou o bodycount, os duelos ao sol, o número de marginais e, claro, a violência.
O Bom, o Mau e o Vilão é tão mais violento que os antecessores, que abre logo com Lee Van Cleef a matar uma criança. Afinal de contas, ele é o mau. Clint Eastwood pode ser o bom, mas como já vimos nos filmes anteriores todos eles são anti-heróis, numa realidade de feios, porcos e maus, onde por isso não existem heróis. Por isso, estas definições são bem latas.
Numa espécie de formato coral, O Bom, o Mau e o Vilão desenvolve-se em paralelo, mas as histórias do Homem sem Medo, de Lee Van Cleef (aqui baptizado de Olhos de Anjo) e de Tuco acabarão por se cruzar, na mesma demanda por um cofre cheio de moedas de ouro, enterrado algures num cemitério de campas rasas. Esse desfecho final é um dos pontos altos do filme e um dos momentos mais icónicos de Leone, onde ele atingiu o ponto caramelo das suas principais imagens de marca: um Mexican standoff no cemitério, ao som do Ecstasy of gold de Ennio Morricone, com todos os grandes planos dos olhos dos três protagonistas, editados naquela distenção do tempo que são Leone soube fazer até hoje – esticando um breve momento em longos minutos em suspenso até serem cortados pelo tiro de um revólver.
Também Morricone parece que passou os dois filmes anteriores a preparar-se para este momento. A sua banda-sonora atinge aqui momentos de perfeição, começando logo pela theme song, e consta mesmo que Sergio Leone esticou várias cenas apenas para que a música corresse durante mais tempo. A grande novidade de O Bom, o Mau e o Vilão é então o último acto, em que entre definitivamente em cena a Guerra Civil norte-americana, como uma crítica à desumanização da guerra. Lembramo-nos de Blueberry e de Apocalipse Now (mas sem um Coronel Kurtz) e ambas as referências não são nada descabidas.
Paradoxalmente, essa sequência é também o pior de O Bom, o Mau e o Vilão. Isso porque lhe dá ali mais vinte minutos, que lhe retiram ritmo já bem perto do fim. Percebe-se a mensagem, mas perde-se em factor entretenimento. E só isso afasta o filme da perfeição, deixando-o a umas batatas fritas de distância desse objectivo final. Como se o Le Big Mac fosse também de se envergonhar.
Título: Il Buono, il Bruto, il Cattivo
Realizador: Sergio Leone
Ano: 1966