| CRÍTICAS | Joker

Há muito tempo que não aparecia um filme tão consensual quanto Joker, coleccionando a aclamação do público e da crítica. E, mais inesperado ainda, foi ver de onde chegou: da DC e dos filmes de super-heróis, um universo que ainda há poucos dias esteve sob ataque por parte de autores como Martin Scorsese ou Francis Ford Coppola. No entanto, o surpreendente foi mesmo ver quem foi o responsável por tudo isto: Todd Phillips, realizador mais conhecido pelas comédias escatológicas (e com pouca graça) de A Ressaca.

Podemos continuar essa lista de surpresas e dizer ainda que Joker faz tábua-rasa do recente Joker de Jared Leto, em Esquadrão Suicida, mas ei… Joker faz tábua-rasa de todo o universo DC. Aliás, Phillips já insistiu mais do que uma vez que este é um filme isolado, que não terá nada a ver com o universo cinematográfico da DC. O que faz sentido, tendo em conta que este é um mundo mais próximo do Joker de Jack Nicholson, dos anos 70 e de niilismo mais politicamente engajado do que do Joker de Leto, dos millenialos e do niilismo não-quero-saber.

O que dizer de um filme sobre o qual tudo já foi (quase) escrito em apenas poucas semanas? Podemos sempre repetir a ladainha de como Joker vai beber directamente a O Rei da Comédia (e não pode ser inocente o casting de Robert de Niro para apresentador de talk show, pelo qual o protagonista do filme tem uma estranha obsessão) e a Taxi Driver, para não falar de A Laranja Mecânica. As referências são óbvias, já que Joker não tem nada a ver com os habituais filmes de super-heróis a que estamos habituados. Esta é ma história sobre saúde mental e sobre um marginal da vida que, de tanto levar porrada, se vai revoltar e se tornar num símbolo de toda um descontentamento social (se bem que involuntariamente), lembrando, por exemplo, o Super-Homem crístico de Bryan Singer (para falar do universo de heróis).

Joker rima com os dias de hoje porque é um filme sobre tempos de crise e nós vivemos tempos de crise. Por isso, é tão actual hoje como o seria na Guerra Fria ou na Grande Depressão. Torna-se assim numa metáfora para com a luta de classes, mas também para com a discriminação e a indiferença, algo que nunca esteve tão na ordem do dia, graças a essa coisa maravilhosa chamada internet, onde todos temos uma opinião que acreditamos ser piamente válida, incluindo pessoas que vêem filmes sacados da net deitados no sofá e depois escrevem sobre eles como se fossem grandes entendidos.

O sucesso de Joker vem precisamente daí, da forma como apela a todos aqueles que não ligam sequer ao mundo dos super-heróis. Mas, ao mesmo tempo, não deixa de se inscrever nessa mitologia, já que vai buscar momentos irónicos da origem do seu nemésis, Batman, inscrevendo nesta narrativa a morte de Thomas Wayne e da sua esposa, ou uma rápida cena com um Alfred jovem. Joker dá espessura humana a um vilão, o que não deixa de ser curioso quando nos lembramos que Batman foi o primeiro herói a ter essa mesma espessura existencial.

Pode ser que com o sucesso de Joker se inaugure uma nova tendência em Hollywood, com filmes sobre os seus vilões (vamos todos esquecer que existe essa coisa chamada Venom, ok?). E os (poucos) que acusam Joker de ser só um plágio desses filmes de Martin Scorsese de que falei no terceiro parágrafo, a quem o tempo se encarregará de dar razão, não deixam de estar certos. No entanto, como diriam os Mão Morta: o que é que isso interessa? Nada. Ou melhor, interessa sim, interessa um Le Big Mac.

Título: Joker
Realizador: Todd Phillips
Ano: 2019

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