| CRÍTICAS | Ballad in Blue

Quando saiu Ray, o biopic de Ray Charles, toda a gente se esqueceu de recuperar esta pérola chamada Ballad in Blue. Afinal de contas, quase que o podemos considerar uma espécie de prequela, realizado naquela altura em que o sucesso de Ray Charles o tornavam no artista mais bem pago do mundo.

Ray Charles faz assim de Ray Charles em Ballad in Blue, enfatizando as suas duas características de que toda a gente conhece: a de músico incrível e a de cego. Além disso, como é sabido, qualquer cego famoso é automaticamente um grande sábio e, Ballad in Blue, transforma Ray Charles numa espécie de oráculo, cujos conselhos são sempre ajuizados. O que tem a sua graça vindo de alguém que estava sempre em altas na coca (viram Ray?) e que, durante a rodagem deste filme na Irlanda, se queixou que era muito difícil encontrar droga naquela país. Mas Ray Charles sempre foi visto como um super-heróis, inclusive naquela cena de Ray, digna de um filme da Marvel, em que ele identifica um passarinho pousado na janela.

Ballad in Blue começa com Ray Charles a tocar para umas crianças num instituto qualquer. Cantam o Hit the road, Jack em conjunto, o que torna o momento mais mais sinistro, como aquele vídeo da Ágata a cantar o Sexo sem nexo com uma série de criancinhas. À saída da escola, Ray Charles cria rapidamente laços fortes de empatia com David (Piers Bishop), um miúdo recentemente cego e que debita todas as suas linhas como se fosse um autómato, até porque também tem uma mãe viúva e vistosa (Mary Peach). E todos vimos Ray e sabemos como ele gostava de mulheres (wink wink).

Ballad in Blue podia então limitar-se a ser o drama lamechas sobre a superação pessoal, a percepção das limitações e o apelo à igualdade e equidade, feito à escala do sucesso de Ray Charles, mas inesperadamente insere-lhe uma outra camada de leitura. É que a família de David, padrasto incluído, é toda ela feita de artistas pé-rapados, o que leva à discussão de várias dicotomias, a saber: a integridade artística vs. a mercantilização da arte (o que aqui também se confunde com o próprio Ray Charles, que então ainda era acusado de muito boa gente de “estragar” o piano com aquela treta do rock’n’roll…) e a família vs o trabalho. Não é que isso sirva para alterar o que quer que seja em relação ao filme, é só mesmo inesperado.

Mas pronto, tendo em conta que Ballad in Blue era só mais uma forma de capitalizar a imagem de Ray Charles, o filme serve também para o colocar a cantar sempre que possível. E quem vier apenas para essa parte não será desiludido. Mesmo que não haja nenhum momento propriamente inesquecível, Ballad in Blue vale a pena pela quantidade de canções que Ray Charles interpreta, sempre com a sua orquestra inteira. Quase que bastava isso para o Cheeseburguer, não era preciso o resto.

Título: Ballad in Blue
Realizador: Paul Henreid
Ano: 1965

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