| CRÍTICAS | Ousadas e Golpistas

O crash da Bolsa de 2008, com a falência do banco Lehman Brothers, afectou todo o mundo, mas directamente o impacto fez-se sentir junto de: a) os banqueiros de Wall Street, b) os correctores da Bolsa de Wall Street e c) as strippers que trabalhavam no clube onde todos esses ricaços da Wall Street iam. Tal como nos tentaram vender em 2012, essas strippers andavam a viver acima das suas possibilidades. E quanto chocaram de frente com a realidade, tiveram dificuldade em o aceitar.

Ramona (Jennifer Lopez) e Destiny (Constance Wu), duas bff a trabalhar no mesmo clube, organizam uma gangue e, com o recurso a quetamina e MDMA, começam a drogar os clientes ricos e a descarregarem-lhes o cartão de crédito. Durante um tempo a coisa até vai funcionando, até porque a maioria dos homens tem vergonha de ir dizer à polícia (ou à família) que foi enganado por uma acompanhante de luxo (masculinidade tóxica é isto também), mas rapidamente a ganância vai-se sobrepor ao bom-senso. E as coisas vão escalar colocando até em causa a amizade destas duas comparsas no crime.

Ousadas e Golpistas vai assim reflectir sobre estas questões, mas sobretudo sobre a velha discussão do Robin dos Bosques e do ladrão que rouba ladrão. É ainda um exercício de girl power e de emancipação feminina, num mundo claramente masculino, onde as mulheres são meros adereços descartáveis. Além disso, todo este caso é baseado na história real que a jornalista Jessica Press escreveu para a revista New York, o que dá automaticamente a dimensão de caso da vida.

A realizadora Lorene Scafaria adapta a história ao imaginário de Martin Scorsese (e que David O. Russell já tentou mais que uma vez cunhar para si, mas sem sucesso), sempre a um ritmo muito cocaínado, mas também ao de Adam McKay. Alguém lhe chamou de Tudo Bons Rapazes de fio dental e a descrição não lhe cai mal. Além disso, Scafaria utiliza a música da banda-sonora de forma sempre muito inteligente, em que cada canção tem sempre algo a dizer à história no momento em que se ouve. Exemplo maior: Jennifer Lopez faz a sua entrada no filme com uma triunfal dança no varão. Por trás ouve-se Criminal, de Fiona Apple, que começa assim: I’ve been a bad, bad girl.

E por falar em Jennifer Lopez, de quem muito se tem falado, talvez a nomeação ao Oscar seja um pouco exagerada, mas JLo vale por inteiro os 110 minutos de Ousadas e Golpistas e cada dentada do McBacon. Por tudo isso que estão a pensar, mas também pela sua prestação, provando ao mais cépticos que sim, também pode declarar no IRS a profissão de actriz. E até Cardi B. deixou no ar uma prometedora estreia, para conferir numa próxima ocasião. É certo que estava a fazer Cardi B. (ou seja, de stripper), mas isso não significa nada.

Título: Hustlers
Realizador: Lorene Scafaria
Ano: 2019

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