| CRÍTICAS | Rastejantes

Agora que estamos quase a dobrar mais uma década já faz algum sentido olharmos para traz e reavaliarmos o que aconteceu ao splat pack, o grupo de jovens realizadores que, no início deste milénio, sacudiu o cinema de terror com pequenos filmes independentes violentos, cruéis e que cunharam a expressão torture porn. E, assim de repente, Alexandre Aja parece ter sido aquele que conseguiu manter um percurso mais consistente, deixando para trás um Eli Roth que se aburguesou.

Rastejantes, produzido por Sam Raimi e considerado por Quentin Tarantino (e pelo nosso Tio Xunga) como um dos melhores filmes deste 2019, é o regresso de Aja a um universo subaquático que bem conhece. Depois do remake de Piranha, Rastejantes é um creature movie, mas com crocodilos em vez de piranhas. O que até é bom para desenjoar dessa obsessão recente dos tubarões…

Haley (Kaya Scodelario) é uma nadadora que parece ter alguns problemas de auto-estima que a levam a falhar muitas vezes no momento da verdade. Um dia sai do treino, muito calmamente, e está um tufão na cidade. Ignorando os avisos de evacuação, Haley vai conduzir, muito calmamente, até à casa do pai, que não atende as chamadas da irmã há várias horas. Depois de ignorar também o bloqueio de estrada da polícia, tudo muito calmamente (apesar de haver uma tempestade tropical a acontecer), Haley chega a casa e encontra o pai inconsciente na cave. E, de repente, aparece um – e depois dois – crocodilo gigante! Sim, assim mesmo, do nada, dentro da cave. E Haley e o pai (Barry Pepper) estão agora encurralados na cave com aquelas bestas ávidas de carne humana, enquanto a água da chuva começa a subir e a ameaçar inundar tudo.

Depois de gerir o suspense com classe nesse primeiro acto, Alexandre Aja transforma Rastejantes num survivor movie muito simples: duas pessoas (e um cão), uma casa e crocodilos assassinos. De repente, surgem em cena outras personagens – um polícia e uns saqueadores oportunistas – e, por momentos, pensamos que Aja vai encher chouriços com personagens secundárias. Afinal de contas, não é fácil manter todo um filme fechado numa cave com dois répteis daquele tamanho. Mas afinal essas pessoas são apenas carne para canhão e rapidamente estamos de volta à equação básica do início.

É certo que há um subplot familiar, entre Haley e o pai e os seus problemas de auto-estima e confiança, mas nada disso belisca o survivor movie que é Rastejantes. Aliás, isso é apenas o combustível que faz mover o filme, que rapidamente se torna numa contagem decrescente até ao momento em que Haley vai ter que nadar dos crocodilos. Afinal de contas, num filme em que a protagonista é uma nadadora profissional, intitulado crawl (excelente trocadilho), sabemos que é apenas uma questão de tempo até isso acontecer. Infelizmente isso acontecerá não uma, mas duas vezes, o que é claramente desnecessário. Isso deveria ser o grande clímax do filme e, assim, torna-se apenas em mais uma cena.

No final, tudo acaba em bem, o canídeo sobrevive, a água sobe, os crocodilos não se safam, Haley e o pai resolvem os seus problemas recalcados do passado e fortalecem os seus laços familiares e nós passamos hora e meia bem entretidos. É tudo aquilo que pedimos quando vamos ao cinema, muito mais quando vamos ver um creature movie. Há filmes que se levam bem mais a sério que não conseguem nem metade deste McBacon.

Título: Crawl
Realizador: Alexandre Aja
Ano: 2019

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *