| CRÍTICAS | O Culto de Manson

Este ano assinalou-se os 50 anos dos macabros assassinatos da Família de Charles Manson e, sabido que era que Quentin Tarantino tinha um filme na forja sobre o assunto, era expectável que Hollywood – e a cultura popular em geral – aproveitassem a efeméride para espremer o assunto até ao tutano. E, no entanto, às vezes a Humanidade ainda nos surpreende pela positiva e nada disso aconteceu. A excepção foi Portugal, que foi recuperar O Culto de Manson, que já é do ano passado, e estreou-o na mesma altura que Era Uma Vez em… Hollywood.

A história é mais do que conhecida. Um psicopata alucinado cria um culto em pleno flower power, em que mistura cenas hippie, com os Beatles e uma alegada futura guerra racial. A coisa descamba e termina com a morte macabra de sete pessoas, crimes todos eles aparentemente aleatórios, que apanharam a então grávida esposa de Roman Polanski, Sharon Tate, o que ajudou a dar ainda mais visibilidade ao caso.

O Culto de Manson começa três meses depois da prisão de Manson e da sua Família, focando-se no entanto nas três miúdas que foram condenadas a perpétua: Susan Atkins (Marianne Réndon), Patricia Krenwinkel (Sosie Bacon) e, especialmente, Leslie Van Houten (Hannah Murray). Karlene Faith (Merritt Wever) era uma activista feminista que acabou por se dedicar a “desmansonificar” as três miúdas, em aulas solitárias que tinham no corredor da morte, onde elas ficaram presas durante 5 anos depois da pena de morte ter sido abolida e ninguém saber o que fazer com elas.

O Culto de Manson é assim um agregado de vinhetas, que são episódios das miúdas com Charles Manson (Matt Smith em mais um papel de composição, depois de Robert Mapplethorpe) no Rancho Spahn, que surgem em flashbacks mediante das conversas com a activista. Esses episódios servem para mostrar como Manson queria mesmo era ser famoso na música (está lá Dennis Wilson, dos Beach Boys, e o produtor Terry Melcher, se bem que parece que só existem duas músicas – a Cease to exist, que os Beach Boys gravaram com outro título, e a Look at your game, girl, gravada pelos Guns n’ Roses mais tarde), como era um sacana misógino e racista (uma faceta pouco conhecida) e como as drogas e a loucura andavam de mãos dadas.

Não há propriamente uma reflexão profunda por parte da realizadora Mary Harron, ela que já tinha andado com um bocadinho mais de pé por estes caminhos da psicopata em American Psycho, uma vez que o filme se limita mais a observar numa estratégia de acumulação. Há ainda uma cena pateta em que as três ficam a pensar que talvez Manson não tinha razão nas profecias que dizia que todos iam renascer com asas, quando a activista lhes diz mas isso não pode ser verdade, elfos não existem. Ahh, afinal era tão simples assim.

Mas também é verdade que O Culto de Manson não é propriamente um mau filme e consegue deixar no ar a ideia mais importante: a de que aquelas miúdas também foram, à sua maneira, vítimas. Um pouco à semelhança das vítimas de violência doméstica que estavam encarceradas na mesma prisão depois de matarem o parceiro, com quem Karlene Faith trabalhou de perto durante grande parte da sua vida. Por isso, O Culto de Manson, com o seu McChicken, até é o melhor filme sobre Charles Manson que existe, já que este tem sido um tema bem mal tratado pro Hollywood (e Era Uma Vez em… Hollywood não conta para esta contabilidade, porque é outra coisa).

Título: Charlie Says
Realizador: Mary Harron
Ano: 2019

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