| CRÍTICAS | Um Amigo Extraordinário

Existe um meme na internet sobre a convenção anual dos actores que ninguém odeia no mundo e, apesar de existirem algumas variações, todas elas têm um nome em comum: Tom Hanks. Por isso, não havia ninguém com mais street cred para incarnar no grande ecrã o homem mais feliz do mundo.

O homem mais feliz do mundo não é aquele monge tibetano que o PAN, quando era um partido que parecia ser credível, trouxe a Portugal um par de vezes, mas sim Fred Rogers, uma instituição da televisão norte-americana, mas que é praticamente desconhecido no resto do mundo. O que faz com que Um Amigo Extraordinário corra o risco de passar ao lado da maior parte das pessoas por falta de identificação.

Fred Rogers, ou simplesmente Mr. Rogers, teve um programa infantil nos Estados Unidos por mais de 40 anos, o que significa que cresceu praticamente com todos os americanos que têm menos de 20 anos. O programa era uma espécie de Rua Sésamo dos pobres e Mr. Rogers um Avô Cantigas que falava de coisas sérias para os mais novos – que era ok ter sentimentos, sobre divórcio, sobre morte….

Mas Um Amigo Extraordinário não é um biopic sobre este homem que parecia ser mais santo que o Papa. É antes um filme sobre o seu encontro com o jornalista Lloyd Vogel (Matthew Rhys), com reputação de duro e de revelar o pior dos seus entrevistados. Vogel acabaria por se encontrar a si próprio após conhecer Mr. Rogers, consertando as relações sentimentais com o seu pai (a quem não havia perdoado depois de abandonar a mãe) e com a sua esposa (Susan Kelechi Watson que, estranhamente, aceita com inesperada tranquilidade tudo o que o marido lhe vai fazendo ao longo do filme). Um Amigo Extraordinário é assim um filme de mensagem, daquelas películas inspiradoras que o fazem querer abraçar amigos e familiares à saída da sala de cinema.

Após o primeiro (e breve) encontro com Mr. Rogers, a editora de Vogel pergunta-lhe como correu, ao que ele responde não ter a certeza se ele é legítimo ou apenas uma personagem que mostra ao público. E é esse precisamente o mesmo problema de Um Amigo Extraordinário: apesar das roupas, os maneirismos e o mesmo vocabulário, Tom Hanks nunca parece legítimo. O seu tom de voz e forma de falar soam sempre a falso e, mesmo quando vamos ao youtube ver o Mr. Rogers verdadeiro, não ajuda. Se o Mr. Rogers era mesmo a sério, o Mr. Rogers de Tom Hanks é só um actor a fazer de um homem feliz.

Montado como um episódio do próprio programa do Mr. Rogers – começa com o genérico de abertura e termina com o final, com interlúdios com fantoches e os temas musicais respectivos -, Um Amigo Extraordinário consegue manter ao longo de todo o filme o mesmo tom pausado, calmo e muito pacífico com que ele falava. Isso é mesmo o mais giro, já que evita ir com muita sede à fonte do tearjerker forçado e sentimentalismo barato. No entanto, apesar de ser o típico filme para os Oscares, será um dos títulos esquecíveis da carreira de Tom Hanks.

Título: A Beautiful Day in the Neighborhood
Realizador: Marielle Heller
Ano: 2019

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