| CRÍTICAS | Um Homem Decidido

Foi em meados dos anos 60 que a juventude ganhou plena voz na sociedade e a contracultura se instalou, num movimento de contestação social contra as normais mais conservadoras e reacionárias instituídas. A cultura underground, os meios de comunicação em massa (a música e o cinema) e a rua tornavam-se no campo de batalha e nas ferramentas destes jovens, enquanto que a polícia – e toda a brutalidade policial – apareciam do outro lado da barricada. Era uma questão de tempo até se tornarem inimigos naturais nesta guerra socio-cultural e Easy Rider veio legitimar tudo isto, ao fazer dos polícias os vilões deste road movie idealizado do flower power.

Menos visível, mas igualmente importante é Um Homem Decidido, filme único do produtor musical James William Guercio (o homem tem mais de 20 Grammys, foi manager dos Beach Boys, integrou os Mother of Invention do Frank Zappa e encontrou gente como o Moondog) que é uma espécie de Easy Rider dos polícias. No entanto, não se pense que é um filme reacionário ou fascista, como foi apelidado em Cannes, quando lá esteve em competição (e que serviu para o estigmatizar durante muitos anos). É apenas o outro lado da mesma moeda.

Robert Blake é então um polícia íntegro e… decidido (mais uma vez, a tradução portuguesa a querer ser sinopse também), que faz cumprir o braço forte da lei custe o que custar. É um polícia de trânsito, daqueles que percorre o deserto numa Electra Glide (daí o título original, sendo que o blue é a cor associada às fardas policiais), a mota que se tornou num símbolo da polícia norte-americana, mas o seu sonho é ser promovido a detective. A oportunidade surge quando percebe que o aparente suicídio dum velhote num barracão no deserto era um homicídio disfarçado e o ranger Mitchell Ryan o convida para parceiro. No entanto, as coisas podem ser mais complicadas do que parecem à partida…

Um Homem Decidido não nos quer mostrar como a polícia é boa nem nos quer convencer a ajudar as forças policiais e a bater-nos a nós próprios por antecipação. Um Homem Decidido só nos quer fazer ver que o excesso de zelo, a violência policial e a descriminação surgem nas forças policiais por causa da pressão e dum sistema estrutural que é, à partida, defeituoso. E mesmo um polícia íntegro e… decidido como Robert Blake – que não tem pejo em multar colegas de profissão, por exemplo -, que tem em John Wayne o seu modelo, pode quebrar.

Um Homem Decidido é, portanto, o outro lado do espelho de Easy Rider, com quem encontra várias semelhanças. O final igual (ao som prolongado de um tema dos Chicago (os quais entram todos no filme), de quem James William Guercio era o produtor também), a mota como símbolo do avanço do Homem sobre o Oeste selvagem (o cavalo de ferro da música do Bon Jovi, lembram-se?) e uma cena em que Robert Blake pratica tiro ao alvo num poster de… Easy Rider.

É ainda um filme extremamente americano, em que os exteriores são filmados como um western (e os polícias não são mais do que cowboys na luta contra os peles-vermelhas, que um plano inicial de um quadro dos nativos na parede do quarto de Robert Blake deixa sugerir), de grandes pradarias, apenas cortadas pelo alcatrão. Um Homem Decidido tem construído uma reputação de custo a contas próprias e merece ser mais visto. Talvez o McRoyal Deluxe ajude a convencer mais meia-dúzia de pessoas a descobrirem-no.

Título: Electra Glide in Blue
Realizador: James William Guercio
Ano: 1973

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