| CRÍTICAS | Ad Astra

É incrível como a ficção-cientifica passou no cinema de sub-género menor a género de prestígio, em relativamente pouco tempo. Os filmes de ficção-científica respeitáveis que estiveram durante décadas reduzidos ao 2001: Odisseia no Espaço e ao Solaris têm crescido exponencialmente à medida que o CGI vai evoluindo, permitindo cada vez contar histórias futuristas de forma mais realista e credível. De tal forma que até James Gray, o novo clássico de Hollywood (e menino bonito da critica), decidiu experimentar.

Ad Astra passa-se num futuro hipotético, em que a Humanidade virou-se para a exploração espacial para procurar uma vida melhor do que na Terra. Não são dadas muitas explicações, tudo é-nos entregue já como garantido. E isso deve-se ao facto de Ad Astra não ser, na realidade, um filme de ficção-científica. Até porque há muito má ciência ao longo de todo o filme, daquela que irrita os maluquinhos sci-fi mais hardcore: uma cena em que Brad Pitt atravessa os anéis de Neptuno a voar com uma placa de metal a fazer de escudo; um túnel cheio de água em Marte que Brad Pitt tem que atravessar a nado para entrar numa nave a descolar; e a NASA a usar voos comerciais da Virgin para ir para a base lunar. Esperem, esta última até tem alguma graça.

O que é certo é que Ad Astra estabelece um suposto mundo futuro que poderá não funcionar se pensarmos muito nele. Mas este é um filme sobre pessoas e, por isso, essa parte é pouco importante. Porque é apenas um veículo para explorar a trama dramática e as questões metafísicas sob as quais reflecte.

Brad Pitt é então um astronauta com uma reputação imbatível por nunca perder a calma. Além disso, é filho de um dos pioneiros da exploração espacial (Tommy Lee Jones), que desapareceu há década e meia num voo até Neptuno. Certo dia, recebe uma missão ultra-secreta: ir ele próprio até Marte e tentar enviar uma mensagem até Neptuno, porque o seu pai pode estar vivo. E pode também estar a condenar a Humanidade com o que está lá a fazer.

Ad Astra é então uma viagens até às estrelas (que é o que significa o título em latim), de um filho em busca do pai, com quem tem (teve?) uma relação difícil. Há uma parte em que Brad Pitt diz que não quer ser como o pai, mas mal se apercebe ele que está a seguir as suas pisadas e que só o conseguirá ultrapassar quando o matar (metafórica, não literalmente). Ad Astra é assim uma caminhada até ao coração das trevas, um Apocalypse Now no espaço, em que a viagem é tanto exterior quanto interior.

Além disso, é ainda uma alegoria religiosa muito forte. Tommy Lee Jones, o pai dos astronautas, está no tecto da Humanidade, que lhe enviam o filho para que esta sobreviva. É quase o cordeiro sacrificial, que vai redimir os pecados do Homem. Ou seja, um homem que simboliza todos os Homens. E logo no espaço! Portanto, não admira que a religião acabe por ter um papel tão presente no filme, algo pouco provável perante homens de ciência e em filmes de ficção-científica. Os astronautas rezam sempre antes de uma partida, fazem orações quando um colega morre e não podiam ser mais beatos.

O filme tem o mesmo ritmo lento do batimento cardíaco de Brad Pitt, conhecido por nunca ultrapassar os 80 batimentos por minuto mesmo and situações mais extremas, e usa como combustível as suas próprias reflexões metafísicas. Em que ele diz coisas como “anseio pelo dia em que a minha solidão acabe” e outras coisas pseudo-pretensiosas como esta. Isso faz com que, por vezes, pareçamos estar a ver dois filmes diferentes. E isso é a parte menos boa.

Ad Astra é um filme ambicioso, que falha o alvo, mas que não deixa de ser uma tentativa bem respeitável. Tem ainda uma perseguição de carro na Lua, com piratas lunares(!), que é uma curtição e que, ela só, vale o filme sozinha. Quem não gostar do McBacon é porque não percebe, humpf.

Título: Ad Astra
Realizador: James Gray
Ano: 2019

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