Quando amanheceu, o dia 25 de Abril de 1974 foi a madrugada que todos esperavam (estão a ver o que fiz aqui com o poema da Sophia de Mello Breyner?). O Estado Novo caía finalmente e o regime de décadas de ditadura dava finalmente lugar a uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática. A Abrilada acontecia, os cravos substituíam as balas, apenas quatro mortos se registava no final do dia por causa dos filhos-da-puta da PIDE e Portugal podia-se cumprir.
O cinema português nunca prestou propriamente atenção à sua história, mas em 2000 produzia Capitães de Abril, o filme decisivo sobre a revolução e uma das maiores produções até há data. Como era uma demanda a várias mãos, com Espanha, Itália e França, o elenco era uma espécie de Benetton, com as vozes a serem dobradas para português em pós-produção. Quanto à cadeira de realizador era ocupada por Maria de Medeiros (que também participava enquanto actriz), que se estreava aqui atrás das câmaras na longa-metragem.
Stefano Accorsi é então Salgueiro Maia, o Capitão de Abril que liderou a revolução, comandando a coluna que saiu de Santarém e que ocupou o Terreiro do Paço e, depois, o Largo do Carmo. E se Maia é o símbolo da integridade, ao seu lado vai Gervásio (Joaquim de Almeida), que representa tudo o resto. É uma espécie de grilo falante, que vai sentado no seu ombro a fazer de advogado do diabo e a reflectir sobre as coisas da vida à vez. Uma espécie de consciência ou de coro grego, até porque Maria de Medeiros procura aqui a estrutura da epopeia épica, com uns pozinhos de predestinação dos deuses (ou será que é Portugal a cumprir-se?).
Além deste, Capitães de Abril segue ainda outro grupo: o que ocupou a Rádio Clube Português, que às 4 da manhã anunciava: “Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas Portuguesas apelam para todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma”. Este grupo do MFA tinha Frédéric Pierrot, marido de Maria de Medeiros, que simboliza todos nós, o povo português, e as nossas esperanças.
Apesar das liberdades dramáticas do filme, incluindo umas mais discutíveis que outras (sim, estou a pensar na cena de sexo na chaimite), Capitães de Abril acaba por ser um bom documento sobre o 25 de Abril, que tanto pode ser visto por cinéfilos como por miúdos na escola a aprender mais sobre a revolução. Além de captar alguns momentos mais engraçados ou únicos (as avarias dos blindados de Santarém até Lisboa, a coluna a parar nos sinais vermelhos…), tem lá o essencial, da música do Zeca Afonso à voz do próprio Otelo, a fazer de si mesmo desde o quartel da Pontinha. Por isso, já sabem: McChicken sempre, fascismo nunca mais!
Título: Capitães de Abril
Realizador: Maria de Medeiros
Ano: 2000