| CRÍTICAS | Walkabout

Walkabout é uma espécie de ritual de passagem para a idade adulta que os aborígenes australianos passam, ao irem sozinhos para o meio do outback, onde têm que sobreviver por conta própria. Ao regressarem (os que regressam) estão prontos para iniciar o último estádio da sua vida, a de crescidos. Um cartão dá-nos esta explicação logo no início de Walkabout e é isso – de uma forma tanto figurada quando literal – que o filme de Nicolas Roeg nos oferece.

Recebido de forma muito exuberante quando estreou em Cannes, em 1971, Walkabout acabaria, no entanto, por cair numa espécie de limbo por mais de três décadas, mantendo-se longe da vista do público e contribuindo para que o nome de Nicolas Roeg sempre se tivesse mantido um pouco na margem. No entanto, este é provavelmente o melhor realizador de todos os realizados subvalorizados, com tanto de visionário quando de revolucionário.

Walkabout mergulha assim no outback australiano, seguindo os passos de dois irmãos (Jenny Agutter, a mais velha, e Luc Roeg, o mais novo) que ficam sozinhos depois do pai se suicidar de forma inesperada e violenta. Enquanto caminham em busca da civilização, as suas crianças juntam-se a uma terceira, um menino aborígene (David Gulpilil), que está a fazer o sue próprio ritual de passagem. Walkabout tem algo de fábula, colocando os jovens contra a própria natureza, que aqui pode funcionar tanto de forma literal quanto alegórica (significando as dores de crescimento dos jovens perante os desafios da vida), lembrando uma outra aventura juvenil – A Sombra do Caçador.

No entanto, Nicolas Roeg incorpora no seu filme a própria natureza do deserto australiano, como um percursor de Terence Malick. Lagartos, insectos e répteis dão vida aquela outra personagem principal do filme: o outback. Isso faz com que Walkabout seja tão poético, quanto místico e artístico, nos seus planos de quase land-art, sequências com muitos didgeridus e uma espécie de poesia visual.

Roeg traz ainda para a mesa outros temas inerentes à própria vida, nomeadamente a sexualidade e a comunicação. Aliás, ambos acabarão por se cruzar e serem determinantes para o climax da história. Há sempre uma tensão sexual no ar e nem sequer é nas cenas mais gráficas, onde uma então muito jovem Jenny Agutter aparecia a banhar-se desnuda; é quando aqueles jovens, que estão a descobrir a vida, mas também os corpos e os seus desejos, cruzam involuntariamente os seus olhares ou um toque mais lascivo. Tal como A Lagoa Azul, também há aqui descoberta sexual, mas mais subversiva.

Walkabout é um filme sensorial, que mostra um Nicolas Roeg como um autor único e original, especialmente na forma como montava o filme em planos curtos, rápidos e alternados. Apenas um ano depois de Performance, Roeg assinava o seu primeiro filme sozinho e anunciava logo ao que vinha. É pena que poucos o tenham ouvido. Precisamos de colocar Roeg no lugar que merece. Comecemos por este McBacon.

Título: Walkabout
Realizador: Nicolas Roeg
Ano: 1971

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