| CRÍTICAS | Pago para Esquecer

Ben Affleck tem um trabalho interessante em Pago para Esquecer: é um génio da engenharia informática que é pago a peso de ouro para ir desenvolver, de forma intensiva, tecnologias inovadoras, a partir de produtos lançados pelas marcas rivais. É uma espécie de engenheiro em reverso, que pega numa tecnologia acabada, anda para trás para perceber como foi feita e melhora-a. Depois do trabalho terminado, Affleck vê a sua memória desse período de tempo ser apagada para que não se lembre de nada do que fez. Afinal de contas, esta não é propriamente uma profissão muito ética.

Mas Ben Affleck está prestes a aceitar o trabalho da sua vida. Além de ser o mais longo de todos os que já fez – serão três anos (que depois serão apagados da sua memória), quando em média ficam-se apenas pelos dois meses – vai envolver uma tecnologia militar roubada, que irá desembocar numa espécie de máquina do tempo. Não sabemos muito bem o que é, porque quando voltamos a ver Affleck acabaram-lhe de lhe apagar a memória e ele sabe tanto como nós. No entanto, tem um envelope com vinte objectos mundanos (desde um clipe a um bilhete de autocarro, passando por um isqueiro ou frasco de laca) enviado pelo seu eu do futuro, que o vão ajudar a perceber o que se passou e a salvar o dia.

A premissa de Pago para Esquecer, um thriller sci-fi futurista adaptado de um livro de Phillip K. Dick, pode passar-se num futuro hipotético, mas é todo ele um filme à Hitchcock. Pago para Esquecer é uma espécie de Intriga Internacional, com o seu herói ordinário a ser apanhado no local errado há hora errada e a ter que salvar o dia. Além disso, explora a mesma premissa de Memento: a de um homem sem memória, que a vai recuperando com a ajuda dos objectos que deixou como pistas para si próprio, e que nós vamos deslindando ao mesmo tempo que o protagonista.

No entanto, não nos podemos esquecer que Pago para Esquecer é um filme de John Woo, o realizador de Hong Kong que mais sucesso conseguiu ter em Hollywood quando o heroic bloodshed invadiu os Estados Unidos no início deste século. Isso significa que Pago para Esquecer vai ter pouco tempo para respirar: uma vertigem action driven, que incluirá obrigatoriamente perseguições a alta velocidade (e com motas, de preferência) – check e check; Mexican stand offs – serão dois, check); e sequências de acção exuberante, com coreografias elaboradas e, se possível, wi-fu – não, aqui a coisa passa ao lado.

Os filmes de John Woo (tal como os dos seus compatriotas, como Ringo Lam ou Tsuik Hark) funcionam pela forma como pegam nos signos do cinema de acção de molde anglo-saxónico e lhes dão um twist oriental, com acção over the top afogada em octanas e hiper-estilizada. Rick Baker chamou-lhe heroic bloodshed. Pago para Esquecer acaba por ser muito mais Hollywood que os seus primos, mas isso não é uma crítica negativa. Mantém o ritmo non-stop, que nos deixa o cérebro anestesiado e sem tempo para prestarmos atenção em possíveis buracos de argumento ou decisões mais ou menos duvidosas.

O pior de Pago para Esquecer é mesmo o casting. Ben Affleck é um canastrão com tão pouco jeito para correr (daí que o melhor filme de John Woo em Hollywood seja o Missão Impossível 2, porque tem Tom Cruise, o grande especialista em… correr. E estes realizadores de acção de Hong Kong adoram correrias) como para representar; e Uma Thurman, a femme fatale (se bem que, pelo filtro do heroic bloodshed, as femme fatales também são heróis de armas) e interesse romântico do herói, não tem mais margem de manobra no argumento do que intercalar olhares sedutores com as sequências de acção. Pago para Esquecer foi o último filme de grande orçamento de John Woo em Hollywood e, apesar de ser algo esquecido, é um belo McChicken, que não fica nada mal na sua filmografia. Um título que merece ser recuperado daqui a um tempinho de forma mais condizente.

Título: Paycheck
Realizador: John Woo
Ano: 2003

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