Provavelmente já teve oportunidade de presenciar um daqueles momentos de generation gap, em que um jovem pega num telefone antigo ou num walkman e fica a olhar para aquilo como um burro para um palácio, sem perceber para que serve. Caso não saibam do que estou a falar, dêem uma vista de olhos neste vídeo.
Agora experimentem explicar a esses mesmos miúdos para que serviam os classificados no jornal. Tentem convence-los que, há não muito tempo atrás, as pessoas punham anúncios no jornal a procurar outras pessoas, por exemplo, e vejam se alguém acredita em vocês. Por exemplo, em Desesperadamente Procurando Susana, Jim (Robert Joy) anda em digressão com a sua banda pelos Estados Unidos e vai colocando anúncios no jornal para se encontrar com a sua namorada, Susan (Madonna), que começam invariavelmente com um romântico desesperadamente procurando Susana.
Susan não tem uma banda, mas também vai andando pelo país fora, já que é uma espírito livre. No fundo, é Madonna a fazer de si própria ou, pelo menos, da imagem que temos dela. Uma punk-new-wave no auge dos anos 80, com tudo o que isso implica no que diz respeito à moda e aos penteados (sim, há aqui muita renda misturada com cabedal). Por sua vez, Roberta (Rosanna Arquette) é o completo oposto – dona de casa, comportada, que vive para o marido… – e, por isso, vai acompanhando os classificados enquanto vive os seus sonhos através da vida dos outros. É mais ou menos como Kathleen Turner em Em Busca da Esmeralda Perdida, mas com classificado em vez de romances de cordel.
Depois há um sub-enredo ridículo com os brincos de Nefertiti roubados de um museu, uma amnésia temporária e Roberta e Susan trocam de papeis involuntariamente. A primeira vai ficar a viver a vida da segunda, vivendo em pleno os sonhos de liberdade com que fantasiava no regaço do lar, enquanto que a segunda encontra na vida abastada da primeira um conforto no qual não está habituada. Desesperadamente Procurando Susana é, por isso, um filme sobre duplicidade e sobre o papel do Eu e do Outro, projectados numa série de dicotomias que têm a ver com a classe social, questões de género e empoderamente feminino.
A temática até pode ser importante, mas a realizadora Susan Seidelman nunca filma isto com grande seriedade, dando-lhe inclusive um toque de humor feelgood, tão comum nos filmes dos anos 80. Isso tem coisas boas e más. Se, por um lado, permite não prestar muita atenção aos sub-enredos que suportam toda a premissa do filme (o tal roubo das jóias egípcias e mafiosos em busca dos brincos perdidos), por outro Desesperadamente Procurando Susana nunca cumpre o potencial que estes temas comportam.
No entanto, também é injusto reduzir Desesperadamente Procurando Susana ao rótulo com que é normalmente recordado: o de primeiro filme de Madonna. É certo que o filme apareceu justamente quando Madonna se tornou Madonna (no início das filmagens era apenas uma cantora promissora e, no final, já tinha que andar cercada de seguranças, depois da explosão de Like a Virgin), mas há aqui muito mais coisas de interesse. Talvez este McChicken tivesse a ganhar com um remake a sério.
Título: Desperately Seeking Susan
Realizador: Susan Seidelman
Ano: 1985