| CRÍTICAS | Elementos Secretos

Ainda aqui há uns dias, a activista Angela Davis dizia numa entrevista ao Ipsilon, acerca das canções que gente como os Rolling Stones ou John Lennon e Yoko Ono escreveram sobre si, que a música e o cinema são “linguagens universais” que “ajudam a um a consciencialização mais profunda dos problemas da sociedade”. Numa altura em que a luta anti-racista está ao rubro e que movimentos como o Black Lives Matter trazem as questões das pessoas racicalizadas para a linha da frente da discussão pública, Hollywood vai tendo, aqui e ali, momentos que procuram repor alguma justiça à memória colectiva norte-americana.

Elementos Secretos é o filme que presta homenagem às mulheres negras que tiveram um papel fundamental na NASA na corrida ao espaço, durante a Guerra Fria. Apesar de serem matemáticas e engenheiras geniais, estas mulheres não tinham os mesmos direitos que os seus colegas, porque continuava a haver uma coisa chamada… segregação. Por isso, um filme como Elementos Secretos, seja bom ou mau, tem sempre o condão se, ao menos, fazer uma espécie de justiça poética.

O filme centra-se em três dessas mulheres. Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), todas elas cientistas com uma capacidade para o cálculo acima da média, que faziam a vez dos computadores antes dos computadores surgirem. E Kevin Costner é Al Harrison, o chefe de departamento que soube olhar para além da cor da pele dos seus colaboradores, tendo em conta um objectivo comum maior: o de colocar o primeiro homem no espaço, antes dos russos.

Apesar das suas boas intenções – e de ter sido nomeado para o Oscar num ano em que estas questões raciais fizeram história, com Moonlight a sacar a estatueta de melhor filme -, Elementos Secretos é um filme que funciona melhor no papel do que na prática. Tem um elenco super-competente, uma banda-sonora original revivalista de Pharrell Williams e Janelle Monáe e nada de propriamente errado, mas o argumento tem tendência para ser auto-explicativo, as personagens não existem para lá das suas descrições e todos os buracos no argumento são preenchidos com arquétipos, como as personagens de Kirsten Dunst e Jim Parsons, que só servem para concentrar em si todos os preconceitos racistas e descriminadores.

Elementos Secretos faz lembrar outro filme de boas intenções, mas com pouco cinema dentro, que foi As Serviçais. No entanto, não deixa de se ver sem fastio, recuperando um lugar na história para um grupo de mulheres que foi deixada na sombra durante demasiado tempo. E Elementos Secretos pode ser quase visto como uma prequela de O Primeiro Homem na Lua. Não é um Cheeseburger que se queira repetir muitas vezes, mas pelo menos uma vez deve-se experimentar.

Título: Hidden Figures
Realizador: Theodore Melfi
Ano: 2016

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *