| CRÍTICAS | Um Dia de Cão

Assim que Al Pacino, John Cazale e Gary Springer entram no banco que se preparam para roubar, nós percebemos logo que a coisa não vai correr bem. É que mal sacou da arma, Gary Springer arrepende-se e diz que se quer ir embora. Al Pacino, que não é um tipo com muita paciência, lá o leva à porta, recolhe-lhe a arma, lembra-se de lhe pedir a chave do carro de fuga e regressa para assumir a sua posição. Até porque John Cazale, no seu modo-zombie, não está ali para pensar, mas sim para agir. Pacino é o cabecilha.

Um Dia de Cão é um heist movie que nunca chega a ser. É que Pacino e Cazale ainda não sairam do cofre e já a polícia tem o banco cercado. O detective Charles Durning liga para o interior e aconselha-os a renderem-se. Pacino e Cazale decidem resistir, até porque têm 8 reféns consigo. Cazale prefere matar toda a gente a ser apanhado; Pacino tem uma ideia melhor e pede um avião para fugirem para a Argélia.

Sidney Lumet, na sua obra-prima Doze Homens em Fúria, vez um filme sem sair da mesma sala. Em Um Dia de Cão faz quase o mesmo, já que tirando a fuga da sequência final, todo o resto do filme se resume a três locais: o interior do banco; a rua em frente, onde a polícia se põe de plantão, mais uma série de mirones; e o barbeiro na porta ao lado, onde as autoridades montam o quartel-general. Lumet gosta desta economia de meios e geria-os como ninguém, provando que o mais importante de qualquer filme é a história.

O mais incrível de Um Dia de Cão é que é uma história verídica. Rapidamente, a multidão se amontou no exterior e o assaltante conseguiu captar a sua atenção, tornando todo aquele longo dia de negociações num circo mediático. As pessoas faziam claque lá fora, invadiam o perímetro policial para abraçar ou pontapear os assaltantes sempre que eles vinham à rua e as televisões faziam entrevistas em directo aos reféns por telefone. Era a reality-tv antes dos reality shows. E antes de EdTv.

Sidney Lumet filma o heist movie com humor, mas sem deixar a coisa cair na comédia pateta. Além disso, dá espaço para Al Pacino, Cazale e os reféns improvisarem à vontade, o que faz com que o primeiro tenha um dos seus melhores papeis de sempre. Afinal de contas, teve liberdade suficiente para gritar e sobre-representar à bruta. Era aqui a ante-câmara de Scarface – A Força do Poder. Entretanto, há uma espécie de plot twist, quando descobrimos o móbil do crime. Aliás, é tão inesperado que até o público lá fora, sempre a apupar a polícia ainda com a memória fresca de Attica (um episódio de violência policial que tinha acontecido recentemente), acaba por mudar de foco.

São filmes como este que dão razão a Felix Guattari, quando afirmou que o cinema era o divã dos pobres. Um Dia de Cão é uma análise à condição humana daqueles dois homens, aos seus estigmas, contradições e lutas internas, uma reflexão sobre os direitos humanos e, claro, sobre as forças de autoridade, a comunicação social e as relações de poder entre estas. Há ali uma altura em que Um Dia de Cão é o melhor filme de sempre. Depois, há outra altura em que só nos apetece fazer um site apenas dedicado a John Cazale, actor que merece ser muito mais recordado. E, no final, só queremos ficar a só a terminar o nosso McRoyal Deluxe.

Título: Dog Day Afternoon
Realizador: Sidney Lumet
Ano: 1975

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