| CRÍTICAS | O Charme Discreto da Burguesia

O Charme Discreto da Burguesia é o mais famoso dos filmes de Luis Buñuel, considerado por muito boa gente como a sua obra-prima. Foi um sucesso de bilheteira, superior inclusive a O Anjo Exterminador, e venceu mesmo o Oscar para melhor filme estrangeiro deste ano. Mas começamos já com um polo twist: não, não é o melhor filme do pai do surrealismo.

Buñuel revelou que o título – que é desde logo incrível – só surgiu no final, já muito depois do argumento estar escrito, o que é por si só uma surpresa, tendo em conta que todo o filme é um tratado sobre a burguesia. Tal como viria a aprimorar no filme seguinte, O Fantasma da Liberdade, mas num sentido mais lato, O Charme Discreto da Burguesia é uma crítica de costumes à moral da classe média francesa, em particular, e ocidental em geral.

O Charme Discreto da Burguesia não segue propriamente uma linearidade narrativa convencional, sendo mais um conjunto de situações e sequências, que são muitas vezes bonecas russas. São sonhos dentro de sonhos, um deus ex-machina que se tornaria na muleta narrativa mais irritante de todas. Aliado a isto, Buñuel repete ainda todas as suas marcas autorais, que se tornam lugares-comuns no seu cinema: os actores no palco (o palco literal, enquanto representação do palco da vida) que se esquecem das falas, os sonhos com os pais mortos, as baratas…

Existe então um conjunto de personagens, que andam à volta do embaixador da fictícia república de Miranda e do seu esquema de tráfico de cocaína, que se reúnem regularmente para jantar, mas em que a refeição é invariavelmente interrompida: ou porque terroristas invadem a casa, ou porque manobras militares irrompem no quintal, ou porque o dono do restaurante está a ser velado na sala ao lado, ou, ou, ou… A refeição é o ritual central da classe média e um espelho dos seus costumes e hábitos. Não é por acaso que muitas das grandes cenas do cinema se passam à mesa de refeições (alguém mencionou Festival Rocky de Terror?). No entanto, aqui esse é um ritual que nunca se cumpre e que é constantemente interrompido por Buñuel.

No entanto, O Charme Discreto da Burguesia acaba por ser um filme mais fragmentado do que aquele que haveria de ser o seu sucessor, O Fantasma da Liberdade. É certo que Buñuel utiliza o surrealismo como ferramenta para explorar o absurdo, o humor negro e a crítica subversiva daquelas situações, mas como um todo o McBacon não funciona tão bem como outros dos seus títulos mais saborosos.

Título: Le Charme Discret de la Bourgeoisie
Realizador: Luis Buñuel
Ano: 1972

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