Truman Show – A Vida Em Directo surgiu numa altura em que os reality shows estavam na ordem do dia e quase como um lembrete de Peter Weir à sociedade: lembrem-se que os big brothers nunca foram uma coisa boa nas distopias. Pouca gente o levou a sério, mas quem viu o filme não mais o esqueceu.
Truman Show – A Vida Em Directo é então, simultaneamente, um filme e um reality show que acompanha a vida de Truman Burbank (Jim Carrey) desde que nasceu: um tipo que vive num mundo à parte – a ilha de Seaheaven -, um gigantesco estúdio de televisão que mais não é que uma prisão de proporções épicas. Tudo é criado artificialmente em Seaheaven e Truman é a única coisa real naquela encenação. E é seguido 24 horas por dia, em directo, por todo o mundo, no programa de televisão mais visto de sempre. E tudo isso sem desconfiar de nada. Até que a ordem natural das coisas o vai fazer questionar a sua existência e vai desejar alargar os seus horizontes e procurar novas paragens.
Truman Show – A Vida Em Directo é um filme que funciona a vários níveis. Começando logo pelo registo metafísico. Truman Show – A Vida Em Directo subverte a própria condição humana, colocando pela primeira vez um homem como o centro do universo e manipulando o seu destino a seu bel-prazer. De repente, deixa de haver coincidências, destino, ou, simplesmente, a providência. Tudo é artifical e há um homem que faz de Deus: Cristof (Ed Harris), o criador do programa. Sartre e Nietzsche teriam adorado o filme…
Depois, é também um excelente documento arquitectónico. Truman vive num mundo cem por cento artificial: a cidade Seaheaven, adoptada dos ideais do sonho americano, o tradicional subúrbio modernista norte-americano, das casas todas iguais, com um pedaço de terreno à frente, em alamedas levemente curvilíneas. No fundo, não passam de guetos de luxo. E o que é assustador é que Seaheaven existe mesmo e há pessoas se pagam para viver lá.
Por fim, e quiçá o mais óbvio, Truman Show – A Vida Em Directo é uma acutilante e pertinente crítica social ao alheamento provocado pela televisão, uma paródia à programação televisiva, um apontar do dedo à estupidez que são os reality shows e o product placement e um arreganhar de dentes à manipulação que a caixinha mágica provoca na sociedade. E como a realidade é sempre mais estranha que a ficção, um ano antes vimos quase em directo como os paparazis conseguiram matar uma (ex)raínha.
Para além de tudo isto, Truman Show – A Vida Em Directo é ainda um objecto artístico bastante razoável, que passa com distinção a difícil de tarefa de ser filmado como se fosse ele próprio um programa televisivo. É para mim um dos mais completos Royales With Cheeses que conheço.
Título: The Truman Show
Realizador: Peter Weir
Ano: 1998