| CRÍTICAS | Os Friedmans

Antes de haver a Netflix e os seus documentários criminais bizarros, houve um documentário chamado Os Friedmans. Produzido pela HBO, ainda antes sequer de alguém sonhar com o streaming, Os Friedmans teve inclusive distribuição comercial, criando algum frisson internacional, remexendo num caso de pedofilia e trazendo à luz do dia novas provas e uma nova perspectiva sobre o mesmo. Os Friedmans foi o antecessor de coisas como The Staircase, Génio do Mal ou O Desaparecimento de Madeleine McCann.

A história conta-se de forma rápida e simples. No início dos anos 80, a polícia norte-americana intercepta uma encomenda de uma revista com cenas de pedofilia que o professor Arnold Friedman encomendara da Holanda. Ao revistarem a sua casa, os agentes encontram mais revistas incriminadoras. Daqui até começarem a entrevistar os seus alunos vai um pulinho e até estes começarem a acusa-lo de violação vai outro. Plot twist: o nome do seu filho mais novo, David, também começa a aparecer nessas queixas. Resumindo e baralhando, acabam os dois condenados e presos.

O realizador Andrew Jarecki vai agora, com a devida distância temporal, desenterrar o processo e analisar as provas mais a frio, e começa-se a perceber que, se calhar, o caso não é assim preto no branco. Além disso, para quem já viu O Desaparecimento de Madeleine McCann percebe que nem sempre o comportamento da polícia é de confiar. Por isso, começam a vir ao de cima algumas suspeitas de que as testemunhas podem ter sido manipuladas e que os Friedman podem ter sido injustamente acusados.

Os Friedmans é um documentário que levanta questões sobre a idoneidade das autoridades, reflecte sobre o poder dos testemunhos em tribunal (mesmo que duvidosos) e mostra como uma acusação (falsa ou verdadeira) pode deitar abaixo um casamento estável, uma vida familiar e várias vidas pessoais (dos acusados e dos acusadores, claro). Depois do filme estrear em sala, voltou a correr muita tinta sobre o caso, que acabou por ser reaberto pela polícia. Conclusão: não havia a mínima dúvida da culpabilidade dos Friedman e Os Friedmans era acusado de manipulador e parcial. O que não deixa de ser também irónico e curioso tendo em conta a mensagem do filme.

Enquanto documentário, Os Friedmans recorre à estrutura tradicional das cabeças falantes, que vai misturando com as imagens de arquivo filmadas por um dos filhos durante vários anos. Esses vídeos amadores são o melhor do filme e permitem-lhe dar uma visão de dentro, a partir da própria família, que assistimos a desmoronar dentro da sua própria (dis)funcionalidade. No final, ficamos sem ter a certeza no que acreditar. Mas como diria Sócrates, só sei que nada sei e que me apetece um McBacon.

Título: Capturing the Friedmans
Realizador: Andrew Jarecki
Ano: 2003

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