| CRÍTICAS | Os Miseráveis

Em 1862, Victor Hugo escrevia Os Miseráveis, romance fundamental da literatura francesa sobre a desigualdade social, as relações de poder entre a polícia e a população e a justiça social. Em 1995, o filme O Ódio actualiza a mensagem de Victor Hugo para a contemporaneidade e para os banlieues. E agora, em 2020, Os Miseráveis pode ser visto como uma sequela de O Ódio e uma revistarão de Os Miseráveis, actualizada para o século XXI.

Estamos em 2018 e a França acaba de se sagrar campeã do Mundo. Nas ruas dos subúrbios de Paris, Damien Bonnard acaba de se junta à equipa policial de patrulhamento diurno do bairro social de Montfermeil. Durante 24 horas vamos acompanhar o seu primeiro dia de patrulha, que envolve um leão roubado, luta de mangues e um miúdo alvejado sem querer na cara por uma arma de ar comprimido.

Se tomarmos o pulso a Os Miseráveis sentimos um pulsar muito próximo do cinema norte-americano, do blockbuster e dos programas sensacionalistas da televisão, em vez do cinema de autor europeu. É impossível não pensar em Dia de Treino e na tensão acumulada, que se reflectia nas relações entre polícias e nas suas condições de trabalho.

Mas Os Miseráveis utiliza estas ferramentas para uma reflexão sobre outros temas. começa pelo ambiente de masculinidade tóxica dentro da polícia, desliza pelas desigualdades sociais e as relações de poder entre gangues e entre gangues e a própria polícia, que choca de frente com os problemas de integração e inclusão da França multicultural e multi-religiosa, que normalmente fica longe dos focos de atenção e é reduzida a uma simplista ideia de marginalidade. E, claro, tudo isso trespassado pela força da juventude, que é transversal a todas estas ideias. É um filme interseccional.

Apenas falha a Os Miseráveis o último acto, quando tenta forçar a parte emocional. Principalmente, porque os diálogos, especialmente os mais profundos, são verdadeiramente maus, como se tivessem sido escritos pelo George Lucas. Os Miseráveis é sempre melhor filme quando é reactivo e não reflexivo. Excelente McRoyal Deluxe, que Ladj Ly pode juntar aos Césares que coleccionou.

Título: Les Misérables
Realizador: Ladj Ly
Ano: 2019

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