| CRÍTICAS | Miss

O realizador luso-francês Ruben Alves decidiu fazer um filme sobre questões de género e de identidade, com Miss, a história de um rapaz (Alexandre Wetter) que decide concorrer a Miss França. No entanto, tendo em conta que Ruben Alves é quem fez o muito estereotipado A Gaiola Dourada, sobre a diáspora portuguesa em França, a coisa não agoira nada de bom.

Mas há que ser honesto e reconhecer que A Gaiola Dourada era um pouquinho simpático. Também podemos já saltar para o fim e dizer que Miss não é propriamente ofensivo. E até podemos olhar para o copo meio-cheio e dizer que, ao menos, vai introduzir estes temas a um público que, normalmente, não está habituado a faze-lo. Mas olhar para o copo meio-vazio é, no entanto, reconhecer que fa-lo sempre pela rama e que acaba por não questionar absolutamente nada.

É, por exemplo, o caso da questão dos concursos de misses, que é trazido para a frente de cena pela mãe adoptiva (Isabelle Nanty) e que é bastante pertinente: num filme que quer questionar a sociedade heteronormativa, um concurso de beleza feminina que objectiva o corpo da mulher não é um contra-senso? Ou, por sua vez, é uma forma de as empoderar, da mesma forma que o bikini o fez no final dos a nos 40 (como defende Pascale Arbillot às tantas)? A discussão dava pano para mangas, mas em Miss é apenas uma nota de rodapé, que, assim que surge, assim se vai.

Alex (Alexandre Wetter) é então o protagonista desta fábula que, por entre muita música pop e filtros solarengos e Fashion, nos pretende mostrar que, se acreditarmos muito, os nossos sonhos se realizam. Alex não está feliz com a sua vida e decide ir em busca dos seus sonhos. E isso significa concorrer a Miss França. Transforma-se então em Alexandra e, com a ajuda da sua família adoptiva (uma espécie de misfits escolhidos a dedo, para representarem, um a um, as minorias da sociedade francesa, com claro prejuízo para as duas indianas, que além de nem sequer terem espaço para ter falas, são sempre relegadas para o fundo de cena), vai pegar o touro pelos cornos de frente.

Já sabemos como é que tudo vai terminar, por isso o que interessa é a viagem até esse momento decisivo. E o cinema francês nem sequer é virgem nestas histórias de peixe fora de água, já que ainda há pouco tempo nos deu Ou Nadas ou Afundas. Consciente ou inconscientemente, Ruben Alves ainda tenta lançar uma ponte para o género típico dos filmes de underdog – o filme de boxe -, mas que é tão gratuito que nem sequer faz muito sentido. Como é que alguém se prepara para um concurso de misses ao treinar boxe? Parece apenas uma desculpa forçada para meter no filme uma montage musical com Alexandre Wetter a treinar.

Wetter é precisamente o melhor de Miss, numa tour de force andrógina assinalável entre Alex e Alexandra. É sobretudo ele que faz Miss valer. Em contrapartida, no lado completamente oposto, está Thibault de Montalembert, um verdadeiro erro de casting na pele de uma prostituta drag, que parece que foi ver Phillip Seymour Hoffman em O Destino de um Ex-Combatente e não percebeu nada. Miss não precisava de bater tanto na tecla do coitadinho, porque isso faz com que resvale inevitavelmente para a atitude condescendente para com o espectador. E é essa a pior parte deste Cheeseburger.

Título: Miss
Realizador: Ruben Alves
Ano: 2020

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