| CRÍTICAS | La LLorona

A llorona é uma criatura fantástica do folclore espanhol que, no mesmo ano, chegou ao cinema em dose dupla. No entanto, enquanto que A Maldição da Mulher Que Chora é um típico filme de sustos norte-americano, e La Llorona é um filme guatemalense, que utiliza essa figura do imaginário latino para projectar os traumas recentes da história do seu país. Conseguem adivinhar qual dos dois é o mais interessante?

Nos anos 80, a ditadura militar da Guatemala provocava o genocídio de milhares de indígenas maias. O general Monteverde (Julio Diaz, baseado livremente no general Rios Montt, presidente do país em 1983 e condenado por genocídio 30 anos depois) chega finalmente à cadeira dos réus, apesar de já estar velhote. As pessoas manifestam-se nas ruas e a sua família tenta lidar com a situação como pode (a mulher, Margarita Kenéfic, e a filha, Sabrina de la Hoz). O juiz considera-o culpado, mas, num volte-face inesperado, o julgamento é anulado por um procedimento técnico. O general vai para casa, a multidão não arreda pé da sua porta onde se manifesta pacificamente e a família fica quase sitiada em casa. Ao mesmo tempo, a criadagem indígena abandona a casa, deixando a pobre Valeriana (Maria Télon) sozinha, cuja única ajuda que consegue encontrar é a jovem Alma (María Mercedes Coroy). Ao mesmo tempo a casa começa a ser assombrada pela llorona. Será coincidência? Será a senilidade a atacar o general? Ou haverá algo mais para se ler nas entrelinhas?

O realizador Jayro Bustamante nunca procura deixar a dúvida instalar-se verdadeiramente, porque as suas intenções são claras desde o início. A llorona é o fantasma de uma mulher que afogou os próprios filhos e que, por isso, chora por eles incapaz de conseguir o descanso eterno. E que mais é a Guatemala senão uma mãe que afogou milhares de filhos também, só que em versão país?

Bustamante vai do filme de tribunal ao filme de fantasmas, mas sempre com grande respeito pela história e pela memória. Basta ver as cenas de tribunal, filmadas sempre com grande solenidade, em demorados planos fixos, que se aproximam ou se afastam do rosto das testemunhas. Quanto às aparições, mais do que utilizar os mecanismos dos filmes de género, Bustamante bebe antes de outra inspiração muito sul-americana: o realismo mágico. Mais do que sustos, a La Llorona é um filme de assombrações.

E é por isso as personagens principais são a família do general condenado (não ao cárcere, mas à prisão em casa, cercado pela multidão que não arreda pé e que não se cala, impedindo o seu descanso), que também são vítimas de toda a história. Como lidar com este passado e esse legado? A llorona não vem para dar respostas nem tão pouco para castigar. Vem para questionar, reflectir, desenterrar traumas e confrontar o passado, porque só assim se pode caminhar para o futuro. Que belo Le Big Mac.

Título: La Llorona
Realizador: Jayro Bustamante
Ano: 2019

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