| CRÍTICAS | Let Them All Talk

É impossível não ficar espantado com a proficuidade de Steven Soderbergh, que continua a filmar de todas as maneiras e feitios. Tanto filma com lentes e microfones do início do século passado para fazer um film noir como se estivesse na década de 30, como faz um filme todo com o iPhone só porque quer experimentar. E, como se isso nação bastasse, ainda arranja as razões mais incríveis para fazer filmes. Olhem o exemplo do seu mais recente Let Them All Talk. Soderbergh queria ir atravessar o Atlântico de barco arranjou uma forma de lhe pagarem o bilhete.

Soderbergh juntou três actrizes respeitáveis – Meryl Streep, Dianne Wiest e a Murphy Brown -, convidou mais uns amigos e embarcaram todos no Queen Mary 2, para a travessia Estados Unidos-Inglaterra. Dizem as crónicas que os diálogos foram todos improvisados e que os figurantes são mesmo passageiros, que estavam a fazer a mesma viagem. Let Them All Talk é assim uma espécie de filme artesanal de amigos, como era Ocean’s Eleven – Façam as Vossas Apostas. No entanto, em vez do Green Onions e do Elvis, Let Them All Talk é todo ele muzak e jazz(inho) daquele à Diana Krall.

De facto, se estão à espera do ambiente de luxo e da alta roda que normalmente associamos aos cruzeiros e aos paquetes, podem tirar o cavalinho da chuva. Let Them All Talk pode ser muito estilizado, mas não podia ser mais simples e terra a terra. Afinal de contas, o filme é apenas sobre três amigas + o sobrinho (Lucas Hedges, sempre em esforço) de uma delas, que têm nesta viagem uma espécie de balanço das suas vidas e dos próprios relacionamentos entre si.

As viagens de cruzeiros – como qualquer outro meio de transporte – são momentos de suspensão do tempo, mas muito mais distendidos do que um comboio ou um avião. Afinal, uma viagem de barco dura sempre dias, enquanto que um avião dura horas. Contudo, o efeito é o mesmo. Enquanto se está no navio, por mais entretenimento que haja a bordo, está-se sempre numa realidade que funciona a um ritmo diferente e desconectado da realidade lá fora. E Let Them All Talk capta bem esse sentimento, de desapego e em que parece que o tempo se movimenta de forma diferente.

Contudo, como também não existe propriamente um argumento, Let Them All Talk é mais uma colecção de vinhetas e episódios, do que uma narrativa, que nunca tem qualquer nível de profundidade. Arranha-se umas ideias, elaboram-se uns fios de raciocínio, mas parece-se sempre que se está num ensaio para ver no que isto vai dar. E nunca dá verdadeiramente em nada. No final, ainda há um último acto, já em terra, que tenta dar alguma espessura aquelas personagens e aquela trama (o subplot do sobrinho com a agente, Gemma Chan, que ainda por cima segue no barco de forma incógnita, é de uma irrelevância brutal), mas não há ali propriamente nada para salvar. Soderbergh filma muito e de várias formas. Levanta-se à noite para ir à casa de banho e faz um filme. Estamos habituados a isso e que, entre eles, os títulos variem muito. Não estamos habituados é que saibam a Happy Meal.

Título: Let Them All Talk
Realizador: Steven Soderbergh
Ano: 2020

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