| CRÍTICAS | Margarida e o Mestre

Todos nós temos um livro favorito. Há quem goste mais dos autores portugueses, outro dos estrangeiros, há quem prefira os clássico e há quem opte pelos contemporâneos. Compreendo e respeito essas opiniões, mas vocês estão todos errados e odeio-vos. Porque o melhor livro de todo o sempre é O Mestre e Margarita, do russo Míkhail Bulgakov.

O livro é como uma cebola, feito de camadas. É uma espécie de pacto com o Diabo, inspirado no Fausto de Goethe, que chega numa tarde de sol a Moscovo; é uma projecção autobiográfica dos últimos anos do próprio Bulgakóv na Rússia soviética e dos seus problemas criativos; é uma sátira feroz à União Soviética estalinista, à censura e a um aparelho burocrático quase kafkiano, onde justiça e lei não eram necessariamente sinónimos; é um romance histórico sobre Jesus, a partir do ponto de vista de Pilatos (o imperador que lavou as mãos, não aqueles exercícios para as costas); e é uma trip pelo realismo mágico, com gatos gigantes que falam e espectáculos de circo demoníacos. Como se isso tudo não bastasse, foi ainda a fonte de inspiração para Mick Jagger escrever uma das melhores cantigas dos Rolling Stones, o Sympathy for the Devil.

A complexidade do livro podia fazer crer que é um daqueles exemplos em que se torna impossível a sua adaptação ao grande ecrã, mas várias experiências já foram feitas. Todas elas em países eslavos, onde o livro é encarado como a obra-prima que é e lido obrigatoriamente das escolas. A adaptação mais em conta é, então, esta co-produção iugoslava e italiana, realizada pelo sérvio Aleksandra Petrovic, um dos mais aclamados cineastas da Iugoslávia de Tito, e com banda-sonora do maestro italiano Ennio Morricone.

O mestre, ou seja, o alter-ego de Bulgákov, aqui tem nome e chama-se Nikolaj Maksudov (Ugo Tognazzi) e está a braços com a sua nova peça sobre Pôncio Pilatos, que as autoridades soviéticas querem censurar. Ao mesmo tempo chega à cidade o Diabo, perdão, Woland (Alain Cuny), mais os seus dois ajudantes anarquistas (e Koroviev parece aqui o Zed, de Academia de Polícia), que vai pôr a nu toda a ganância, inveja e luxúria da sociedade de Moscovo. De fora fica a parte mais sobrenatural por óbvios motivos, nomeadamente uma famosa cena de um baile inspirado numa faustosa festa na embaixada norte-americana em Moscovo, que envolveu muito álcool e animais do zoológico (estes dois pormenores podem-se interligar…), o que significa que também passa a quase figurante a personagem de Margarita (Mimsy Farmer), que no livro está mais conectada com a parte fantástica.

Apesar da liberdade criativa da adaptação, até mesmo na linearidade narrativa, muitas vezes parece que estamos a ler o livro em vez de ver o filme. E isto não é um elogio. É que o realizador Aleksandra Petrovic perde-se muitas vezes no palavroso do texto, ainda para mais porque falha quase sempre o timing do corte. Talvez por isso as melhores partes sejam as de Pilatos, durante a peça dentro do filme.

Afinal, Margarida e o Mestre veio provar que o livro de Mikhaíl Bulgákov não era inadaptável e é uma excelente porta de entrada ao maior romance de todos os tempos. Vá, corram lá à livraria mais perto e comprem um exemplar, até porque agora há uma tradução nova directamente do russo de Nina e Filipe Guerra. Levem um McChicken para a bucha e guardem espaço para o Royale With Cheese que é o livro. Agradecem-me depois, deixem lá isso.

Título: Majstor i Margarita
Realizador: Aleksandar Petrovic
Ano: 1972

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