Por vezes, quando estamos na cama quase a adormecer ou no chuveiro de manhã a preparar-nos para o dia, pensamos como é que foi possível a Cannon ter ido à falência. Nunca, em toda a história do cinema, houve uma produtora com tantos filmes em tão pouco tempo, trabalhando das margens para dentro, sem olhar a estilos ou géneros. E, apesar de marginal, criou tendências – os filmes de ninjas, claro! – e até ganhou Oscares. Mas depois lembro-me de Gor e regresso à minha vidinha.
Gor é um filme de fantasia, que mistura sword and sorcery com outra tendência que a Cannon soube explorar bem, o filme de bárbaros. É um mundo alternativo, em que as mulheres são escravas dos homens e que, por isso, sempre valeu acusações de misoginia ao autor dos livros originais, John Norman. O realizador Fritz Kierch, no entanto, achou por bem realçar ainda mais isso: todas mulheres usam tanga e tops reduzidos, que vão diminuindo de tamanho exponencialmente consoante o tamanho das mamas das actrizes. Também os homens estão sempre de tronco nu e com as nádegas à mostra, numa espécie de hiper-sexualização feticheira. E não há mal nenhum nisso. Com baixos valores de produção e um imaginário extremamente camp, Gor é um peplum com bárbaros futuristas.
Tarl Calbot (Urbano Barberini) é então um professor universitário que tem um anel mágico(!), que permite viajar para o mundo de Gor. Só que ninguém sabe como o usar. Até que um dia tem um acidente de viação e acorda nessa tal realidade alternativa, meio distópica, meio baixo orçamento. Os habitantes de Gor estão habituados a receber de quando em vez visitantes da Terra que vêm salvar o seu mundo e, por isso, acolhem Tarl como o choosen one. Só que este, como é um cromo, tem que ser treinado.
Há então uma montage musical, em que a bela Talena (Rebecca Ferratti) e o feioso Marlenus (Larry Taylor) vão transformar Tarl numa máquina de matar em apenas 24 horas(!). E depois lá vão os três, mais o velhote Surbus (Paul L. Smith), em demanda para recuperar uma pedra preciosa e sagrada das mãos do tirano Sarm (Oliver Reed). Pelo meio ainda há um anão que se há de juntar ao grupo, mas que nem sequer tem falas. É só para cumprir as quotas obrigatórias de ter anões em filmes de fantasia.
Gor é então um filme de aventuras, com diálogos tão profundos quanto o que é isto?, É uma taverna, que mostram bem o nível de inteligência do filme; e com peripécias tão excitantes quanto resgatar Marlenus de umas areias movediças que têm o tamanho de um buraco de esgoto. Há ainda episódios tão inconsequentes quanto a tal passagem pela taverna, cheia de bárbaros, onde Talena vai entrar numa catfight para ganhar um mapa. Mas o grandalhão depois diz que não, que não dá o mapa apesar de ter perdido a aposta, e o grupo de heróis diz “está bem” e continuam a sua caminhada(!). Sem mapa(!!). Que nunca mais é falado no filme(!!!).
Depois lá chega o confronto final, com o exército de Sarm, num amontoado de extras a lutarem cambaleantes com armas de borracha, que resolve tudo num acto final tão confuso quanto esquecível. Mas esperem!, ainda há mais. Quando já estamos a preparar-nos para ir comer qualquer coisa, eis que surge Jack Palance. Realmente o nome dele estava em destaque nos créditos iniciais, mas já ninguém se lembrava. Palance aparece para lançar a sequela. O quê? Há uma sequela? Ninguém tem coragem para ver isso, este Happy Meal chega.
Título: Gor
Realizador: Fritz Kierch
Ano: 1987