Existe uma espécie de acordo tácito no cinema que diz que, sempre que alguém precise de ir ao México num filme, essa ida dar-se-á no Dia dos Mortos. Por isso, quando a Pixar decidiu fazer Coco, um filme passado no México e sobre a cultura mexicana, obviamente que teria que se passar… exacto, adivinharam, no Dia dos Mortos.
Contudo, no início é a música que marca presença em Coco. Nomeadamente a de Ernesto de la Cruz, o maior música mexicano de sempre, uma espécie de Elvis mariachi (e uma versão alternativa de Pedro Infante), que é o ídolo incondicional de Miguel (Anthony Gonzalez). O problema é que a música está absolutamente proibida na família de Miguel, desde que a sua bisavó ficou traumatizada depois do seu marido a ter abandonado para seguir uma carreira musical. Por isso, na família de Miguel são todos sapateiros. O que é uma grande diferença para quem sonha tocar guitarra e cantar para multidões no mundo inteiro.
É óbvio perceber do que trata Coco – o dilema entre seguir os nossos sonhos e o de cumprir as expectativas da família. Além disso, a Pixar nunca perde de vista os altos valores familiares e a importância do núcleo familiar, algo que é o cerne de qualquer filme da Disney desde… sempre. Mas Coco não se fica por aqui. É que depois entra em campo o realismo mágico. Afinal de contas, estamos a falar de um filme sobre o México, país-natal de Carlos Fuentes e Juan Rulfo, e que não fica assim tão longe da pátria de Borges ou Cortázar.
É aí que também entra em cena o Dia dos Mortos. Em plena celebração dos que já partiram, Miguel vai acabar por ficar preso no mundo do Além. A mecânica é complicada, mas explicada de forma bem pragmática, tornando o filme acessível a todas as idades. Tal como em O Estranho Mundo de Jack, somos convidados a visitar o mundo dos Mortos, que é bem mais alegre e civilizado do que o cinema de terror normalmente nos faz querer acreditar. E no meio de tantos esqueletos e alebrijes, não há como não nos lembrarmos dos estúdios Ghibli. Afinal de contas, Coco é o filme mais Miyazaki e menos Disney do seu catálogo.
Coco, entre a festa de cor e música que é um dos grandes elogios ao México do cinema, guarda ainda tempo para ser emocional, sem ter que forçar o tearjerker. No fim, a cena em que Miguel toca para a avó o grande hit de Ernesto de la Cruz (a oscarizâdã Remember Me), entra directamente e sem espinhas para o panteão dos grandes momentos da Pixar, ali logo a seguir à entrada gloriosa de Up – Altamente (que continua a estar bem lá no topo). Eu não chorei nessa cena, vocês é que choraram.
Há ainda uma homenagem nada discreta a Frida Kahlo, de boas intenções, mas de duvidoso bom gosto, que não costuma fazer parte das ferramentas da Pixar e que, por isso, soa a estranho. Bem mais giro é o cameo de Cantiflas. Tudo isso é cozinhado com aprumo para mais um dos McRoyal Deluxe de classe da Pixar.
Título: Coco
Realizador: Lee Unkrich & Adrian Molina
Ano: 2017