| CRÍTICAS | Saint Maud

Há uma citação na net, que deve ser uma das mais partilhadas (e que, se formos a procurar, certamente será atribuída a Gandhi, a Einstein ou a Bob Marley), que diz qualquer coisa assim: a religião é como as pilas. É ok ter uma, não há problema em estarem orgulhoso dela, mas por favor não a exibas em público nem a tentar enfiar-me pela boca adentro. É mais ao menos assim que se sente Amanda (Jennifer Ehle), em relação à sua nova cuidadora (Morfydd Clark). Maud pode ser uma jesus freak à vontade, mas que não se meta na sua vida.

Amanda é uma antiga bailarina de sucesso mundial, que está com uma doença terminal e que contrata Maud para enfermeira pessoal, para lhe prestar cuidados paliativos. É certo que está numa situação complicada e que não é fácil de aceitar, por isso está ali a meio caminho de se tornar numa Norma Desmond, como alguém lhe atira às tantas numa festa. Mas quando Maud tenta convencer a sua namorada a não a ver mais, porque ela anda a beber muito e a ter muito sexo, Amanda não resiste a ser mazinha. E maldade com maldade se paga.

É esse momento de conflito que vai espoletar Saint Maud, incutindo-lhe tragédia, mas também trauma pessoal. E Maud inicia a sua última fase de transformação. Começa como uma jovem enfermeira devota e beata; passa para uma adolescente com problemas recalcados, que nos vão sendo revelados aos poucos, numa economia narrativa muito inteligente; e termina numa posição de força, em flirt com o paranormal. É um arco narrativo muito semelhante ao de Carrie, mas em vez de poderes telecinéticos, Maud fala com Deus (ou o Diabo?) em galês(!).

Saint Maud é um slow burner com identidade própria, que cria a sua própria atmosfera com duplas interpretações (nunca sabemos se o que estamos a ver é real ou resultado da mente de Maud) e um sub-texto que reflecte sobre a saúde mental e sobre as relações mais espirituais com a religião. E, no fundo, uma e outra não estão sempre ligadas? Talvez não, mas em Saint Maud são o cerne da questão. Uma óptimo McBacom de estreia para a realizadora Rose Glass, que entra directamente para a nossa shortlist de nomes a seguir.

Título: Saint Maud
Realizador: Rose Glass
Ano: 2019

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