| CRÍTICAS | Donnie Darko

Foi chegar, ver e vencer. O sucesso de Richard Kelly quando tinha apenas 26 anos, no seu filme de estreia, Donnie Darko (escrito e realizado) foi tão rápido quanto o seu desaparecimento. As histórias dizem que, depois disso, ainda fez mais dois filmes, mas nada prova que isso seja verdade. E, hoje em dia, Richard Kelly é apenas um nome que se recorda como um predestinado que não cumpriu aquilo a que vinha destinado.

Donnie Darko estreou no mesmo ano que Mulholland Drive, apenas um ano depois do ano 2000. O novo século parecia prometedor. Infelizmente foi sol de pouca dura. A fasquia iria baixar nos altos seguintes até à normalização das estreias semanais novamente. Contudo, tal como o filme de David Lynch, Donnie Darko não se deixava conter pelos limites da narrativa convencional, abraçando a liberdade criativa com tanta confiança e convicção que nem sequer era possível pensar em presunção. Durante momentos, o cinema independente era salvo. Logo a seguir, o indie tornava-se definitivamente num sub-género, transportando das margens para o centro, absorvido pela indústria capitalista que tudo normaliza a favor da legitimação do público (e do lucro).

Foi também Donnie Darko que começou todo o movimento nostálgico de resgate dos anos 80, incluindo as cenas de miúdos a andar de bicicleta. Ao entrar no século XXI, Richard Kelly situava o seu filme em 1988 e enchia-o de música dos eighties. Claro que toda a gente conhece o Mad World, a versão pelo Gary Jules a solo que encerra o filme e que se tornou num single de sucesso, mas há ainda os Echo & The Bunnymen (uma das mil e uma referências a coelhos, mais ou menos escondidas, que pululam por todo o filme, começando logo pelo poster), os Joy Division e, claro, os Tears for Fears.

Como qualquer filme dos anos 80 que se preze, Donnie Darko é um teen movie de liceu. Mas devidamente distorcido. Jake Gyllenhaal é Donnie Darko, o filho do meio de uma família de classe média nos subúrbios norte-americanos (a mana mais velha é a sua irmã na vida real, Maggie Gyllenhaal), que tem episódios de sonambulismo e surtos de violência em igual dose. A terapeuta há de o diagnosticar, mais tarde, com esquizofrenia, mas Frank – o coelho macabro que parece o Totore em meth (o que, tendo em conta a teoria de que Totoro é o deus da morte, faz todo o sentido) -, a figura com que alucina e fala consigo, começa a dar-lhe sinais do futuro sobre a vizinha velhota, os professores da escola (um inesperado casting com Drew Barrymore e Noah Wyle) ou um life coach motivacional (Patrick Swayze). E, de repente, o motor de um avião cai em cima do seu quarto!

De repente, o que era um filme de liceu sobre saúde mental e teenage angst, começa a metamorfosear-se em viagens no tempo e em alucinações. Nem sempre percebemos muito bem o que estamos a ver, mas fica sempre a sensação de que é algo importante e que não devemos perder. É o sentimento dos melhores filmes de David Lynch e Donnie Darko partilha isso com Mulholland Drive, se bem que as suas citações directas é ao universo fantástico, de Stephen King (e o seu terror cósmico) a Sam Raimi (que lhe deu os direitos do primeiro A Noite dos Mortos-Vivos para uma cena no cinema).

Os toques artsy de Richard Kelly ajudam ainda a mergulhar Donnie Darko num ambiente de estranheza, que tanto é potenciado pelo ar macabro de Jake Gyllenhaal (sempre sem piscar os olhos, um toque que haveria de repetir no igualmente perturbador Nightcrawler – Repórter na Noite), como pelas câmaras-lentas sonâmbulas e pelos planos menos ortodoxos. E, no final, quando o filme se resolve na bela cena que tem a música do Gary Jules, apercebemo-nos que Donnie Darko é um filme-coral que nem tínhamos reparado. E antes de terminar com um Le Big Mac, o que diz de Seth Rogen, que teve aqui o seu papel de estreia no grande ecrã? É que a sua primeira fala de todas no cinema foi I like your boobs. Um presságio para o resto da sua carreira.

Título: Donnie Darko
Realizador: Richard Kelly
Ano: 2001

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