| CRÍTICAS | Ratatui

E, de repente, a culinária passou a ser uma tendência e a vender milhares. Os cozinheiros deixaram de ter nomes brutos como Chef Silva e passaram a ter nomes chiques como Jamie Oliver, os programas de televisão sobre culinária passaram a ser aos milhões e os cozinheiros, perdão, os chefs tornaram-se celebridades. Como se isto não bastasse, surgiram logo novas designações parvas para legitimar isto tudo, porque só assim é que o lifestyle vende. Bem-vindos gastrossexuais!

Introduções disparatadas à parte, Ratatui é o filme da Pixar que aproveita a vaga despoletada por Jamie Oliver para colocar a culinária no prato dia (salvo seja), desmontando uma série de clichês do género, começando logo pela ideia de que tudo o que é chef é francês, tudo o que é francês é rude e tudo o que é rude tem hábitos estranhos ao norte-americano vulgar.

Ratatui passa-se então em França e, como todos os filmes norte-americanos passados em França, é falado em inglês com um sotaque carregado à franciú, enquanto comem pernas de rã e croissants e há sempre um mimo a actuar na rua. Seguindo também a tradição antropomorfa da Disney, Remy (voz de Patton Oswalt) é um rato que ganha dimensão humana por não ser como os seus semelhantes: como tem um olfacto apurado e um paladar exigente, cansa-se de comer e roubar comida como todos os ratos e deseja dar o seu contributo ao Mundo. Por isso, identifica-se muito mais com os homens do que com os roedores, se bem que vai estar sempre dividido entre dois mundos – um com o qual não se identifica e outro no qual não encaixa.

Remy vai então aliar-se a um aspirante a cozinheiro trapalhão, Linguini (Lou Romano), e juntos vão ascender aos píncaros da culinária francesa, avaliada pelo genial crítico de comida, Anton Ego, vocalizado por Peter O’Toole e com um visual assustadoramente parecido ao dos monstros famosos de Boris Karloff e Bela Lugosi. Obviamente que depois há um subplot e uma história romântica a suportar tudo isto, sendo esta muleta bem frágil e o elo mais fraco do filme. Mas estamos a ver um desenho-animado e é isto que se espera de um desenho-animado.

Ratatui é mais um feelgood movie do que uma comédia e, por isso, são quase raros os gags assumidos. Serve-se antes de um humor inteligente e subtil, sempre mais próximo do público graúdo, aproximando-se depois do miúdo com um visual colorido e sempre em movimento, tecnicamente perfeito e texturizado de uma maneira que quase conseguimos sentir o sabor dos pratos confeccionados. E é, cada vez mais, a Pixar a fazer verdadeiro cinema de animação, tirando partido da câmara e de ferramentas como o enquadramento, a montagem ou a montagem, indo além da realização meramente ilustrativa ou tecnicamente impecável.

Ratatui não é tão de tirar o fôlego como Os Incríveis, nem tão filme como WALL-E, mas não deixa de atingir uma bitola bem alta, como é apanágio da Pixar. E nunca um McRoyal Deluxe fez tanto sentido a ser atribuído a um filme.

Título: Ratatouille
Realizador: Brad Bird
Ano: 2007

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