| CRÍTICAS | Sound of Metal

Uma vez vi uma entrevista ao Rick Allen, o baterista dos Def Leppard, em que ele comentava o trágico acidente de viação que o deixou sem um braço. Diz ele que, assim que recuperou a consciência e viu que tinha ficado sem o braço esquerdo, que a primeira coisa que pensou foi “sou baterista e fiquei sem um braço. E agora como é que toco?”. O episódio pode ter dado azo a piadas – o que é que tem 9 braços e é uma grande merda? -, mas é uma tragédia tão implacável quanto irónica.

Em Sound of Metal, acontece mais ou menos o mesmo a Ruben (Riz Ahmed). Ao lado da namorada, forma os Black Gammon, um duo artsy-punk com muito noise gratuito, que anda em tour pela América, numa autocaravana que representa em tudo o estilo de vida vagabundo que os dois têm. E uma noite… Ruben deixa de ouvir. De repente, é toda uma dupla tragédia. A da surdez e o de mergulhar num mundo de silêncio; e o de isso acontecer a alguém que faz da música o seu dia-a-dia e o seu ganha-pão. Ok, aconteceu o mesmo a Beethoven, mas esse continuou a compor como se fosse um super-herói da Marvel.

Sound of Metal é um drama sobre a transição de Ruben de um mundo para outro inversamente oposto, ao dar entrada numa instituição para surdos liderada por Joe (Paul Raci), enquanto a namorada regressa para a casa do pai. Além disso, Ruben é um ex-toxicodependente e esse passado é um fardo que vai ganhar peso neste momento. É que Sound of Metal é também, na sua forma muito reflexiva e ponderada, um filme sobre a adição.

É nessa transição entre os dois mundos, o sonoro e o silencioso, que Sound of Metal faz a diferença, com um desenho de som muito bom, que tem dois efeitos incríveis. O primeiro é o de nos fazer mergulhar por completo nesse mundo de surdez, o que é duplamente impactante tendo em conta que vivemos em tempos altamente ruidosos (e isso não é necessariamente bom); e o segundo é o de nos fazer reflectir sobre algo que temos por garantido e pelo qual raramente damos valor.

O problema é que Sound of Metal tem um grave problema com o seu tratamento temporal. Nunca percebemos muito bem a velocidade com que as coisas decorrem e tudo acontece com uma rapidez tão brusca quanto a súbita perda de audição dos protagonista. Estamos aqui, em tour, e a seguir já ele está surdo e, com um telefonema para um amigo, na cena seguinte já está a fazer check-in na tal instituição. Depois, está ali a tentar adaptar-se e, na cena seguinte, já domina a linguagem gestual. E, do nada, resolve ser operado – uma cirurgia para a qual não tinha dinheiro – e na cena seguinte está a colocar um implante e a regressar à sua vida. Tudo acontece num piscar de olhos, o que não deixa de ser precisamente o contrário do estilo dramático contemplativo do realizador Marder. Sound of Metal é, por tudo isso, um filme de dicotomias, que só alcança o equilíbrio no menu final: um Double Cheeseburger.

Título: Sound of Metal
Realizador: Darius Marder
Ano: 2019

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