| CRÍTICAS | The United States vs Billie Holiday

Hoje em dia está muito na moda tentar-se separar a faceta criadora da de activista nos artistas, como se uma e outra fossem independentes. Ah, agora é tudo política, dizem os grunhos. Sim, é. Aliás, já dizia Aristóteles que a Política é a ciência que tem por objectivo a felicidade humana. E a música sempre foi um veículo privilegiado para intervir, sendo a canção de protesto uma arma poderosa.

Todo este longo parágrafo para incluir Strange Fruit, aquela que é, provavelmente, a primeira canção de protesto da música popular – um tema que descreve o linchamento dos negros nos Estados Unidos, uma prática mais recorrente do que se pensa na terra dos justos e dos livres (ler sem se rir, por favor). Billie Holiday nunca a desistiu de cantar ao vivo, apesar das inúmeras ameaças, e, por isso, foi sempre atacada pelo FBI, que aproveitaram a sua adição à heroína para a perseguirem sob pretexto da guerra às drogas. A coisa é um bocadinho mais complexa que isto, mas serve na perfeição para introduzir The United States vs Billie Holiday, o novo biopic sobre a cantora norte-americana que, de complexo, tem muito pouco.

The United States vs. Billie Holiday parte então desse pretexto, mas rapidamente entra em modo de biopic convencional de Billie Holiday, começando a contar a partir da sua residência no Café Society até ao final dos seus dias. Essa ideia da perseguição do FBI a uma cantora que denunciava o racismo sistémico da sociedade americana trespassa todo o filme, mas é apenas um ideia misturada com tantas outras. Há, claro, a discriminação racial, mas também Jimmy Fletcher (Trevante Rhodes), o agente negro que a traiu (e, consequentemente, toda a comunidade afro-americana), a droga, a relação abusiva do marido e alguma música. A estrutura narrativa do filme é um desastre (começando logo pelo fim e saltando para o início, numa espécie de retrospectiva da carreira, enquanto Billie Holiday é entrevistada por) e limita-se a sobrepor episódio sobre episódio, não necessariamente encadeados (e com alguns dos planos de corte mais ridículos de sempre, que incluem câmaras-lentas, imitações de super 8mm ou uma recriação de cinema mudo).

Além disso, o filme dá tanto foco à adição de Holiday na heroína e tão pouco à música, que parece que ela era uma drogada e não uma cantora. Há muito pouca música em The United States vs Billie Holiday, o que, num filme sobre Billie Holiday, é um insulto. Especialmente perante a forma caricatural que o faz. Louis Armstrong e Lester Young, por exemplo, são apenas figurantes nas suas próprias histórias. Como se isso não bastasse, The United States vs Billie Holiday é de uma tristeza atroz. Nem sequer é por haver uma exploração miserabilista da história, é mesmo porque o realizador Lee Daniels filma tudo com uma tristeza absoluta, como se Billie Holiday andasse a dar no cavalo e todos os outros andassem a enfrascar-se em valium.

Desde Precious que Lee Daniels tem-se dedicado a dar voz à comunidade afro-americana, mas os seus filmes (e séries) têm deixado a desejar. The United States vs Billie Holiday só se destaca por duas coisas: primeiro, porque é sobre Billie Holiday (vénias com saídas encarpadas à retaguarda); e segundo, por causa da prestação de Andra Day, que soa exactamente como a cantora. E é isso que salva o Double Cheeseburger. Mas depois lembramo-nos que existe Mulher de Destino e dá-nos vontade de atirar isto tudo para o lixo…

Título: The United States vs Billie Holiday
Realizador: Lee Daniels
Ano: 2021

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