| CRÍTICAS | As Mil Luzes de Nova Iorque

Em 1961, Jimmy Reed gravava Brigh Lights, Big City, um temaço que viria a tornar-se num dos standards do blues. A letra conta a história de como as luzes brilhantes da grande cidade atraíram para a perdição a mulher do autor, um tema que sempre foi querido à literatura (e ao cinema, desde o Aurora, talvez) – a cidade enquanto local de pecado, em contraste com o idílio do campo.

Em 1984, o norte-americano Jay McInerney adaptava o tema aos anos 80 e baptizava o seu filme com o mesmo título de forma muito pertinente. O romance, um dos mais importantes de língua inglesa – mais pela forma do que pelo conteúdo, já que é um dos únicos em Inglês que utiliza a segunda pessoa do singular na narração – demorou apenas 4 anos a ser adaptado ao cinema. E, porque é nos pormenores que a arte se distingue, As Mil Luzes de Nova Iorque mostra logo ao que vem. Da primeira vez que o protagonista chega a casa e liga a aparelhagem, a música que se ouve de fundo é logo o Bright Light, Big City, na versão original do Jimmy Reed e tudo. O realizador James Bridges não estava aqui para brincadeiras.

O protagonista do filme é então Michael J. Fox, que, em pleno auge da sua carreira, apostava tudo num papel que contrastava com a sua imagem de bebé grande e de filho querido. Era o papel com que tentava entrar na vida adulta, se bem que nunca o iria conseguir verdadeiramente. Ainda haveria mais um ano de Quem Sai aos Seus, duas sequelas de Regresso ao Futuro e Michael J. Fox ficaria para sempre preso à imagem de menino bonito.

Michael J. Fox é editor de factos numa revista nova-iorquina, em outro sinal dos tempos muito próprio do filme. Essa é uma profissão caída em desuso no jornalismo da actualidade, que se arrasta pela lama, e em que os fact checkers (os Polígrafos desta vida) se tornaram órgãos de comunicação social autónomos(!). Ai jornalismo, quem te viu e quem te vê. No entanto, o que Michael J. Fox queria mesmo ser era escritor, se bem que não escreve uma linha há meses. As linhas que não faltam na sua vida são, no entanto, as de coca. Já toda a gente viu o Narcos e sabe como eram os anos 80 na América: drogas a rodos, numa década de prosperidade ridícula, em que os hippies abandonavam todos os seus ideais de há vinte anos atrás para abraçarem o consumismo e o capitalismo com as duas mãos. Michael J. Fox havia prestado seu serviço a desmontar o mundo dos yuppies na comédia O Segredo do Meu Sucesso e aqui dava-lhe a machadada final de forma mais seria.

As Mil Luzes de Nova Iorque é óptimo a captar o espírito do seu tempo, com as discotecas e a música disco, a droga a rodos e o álcool a acompanhar, mais os seus empreendedores a bater punho. Michael J. Fox dá-lhe em todos e, apesar de ser um drogado/bêbado funcional, a sua carreira profissional durante o dia ressente-se. E as olheiras, os atrasos constantes e o tempo que passa na casa de banho não enganam ninguém. Contudo, As Mil Luzes de Nova Iorque não é uma crítica aos yuppies porque para isso já existe American Psycho. As Mil Luzes de Nova Iorque é um filme sobre a perda e sobre o trauma.

Os flashbacks que vão surgindo com a sua mãe (Dianne Wiest) e a obsessão com a esposa desaparecida, uma aspirante a modelo que foi a uma sessão de fotos em Paris e nunca mais voltou a casa (Phoebe Cates) vão-nos mostrando que As Mil Luzes de Nova Iorque é uma espiral descendente até à auto-destruição. E esse apetite pela destruição é alimentado pelo amigo Kiefer Sutherland, que todas as noites o arrasta para mais festas, mais droga, mais álcool e mais sexo inconsequente.

O realizador James Bridges não ignora o material original do livro e faz da sua adaptação um filme bastante literário. Há a narração de Michael J. Fox, na segunda pessoa, como no romance, e a estrutura narrativa de As Mil Luzes de Nova Iorque está dividida em capítulos. Cada dia é um capítulo naquela semana decisiva da vida de Michael J. Fox, até à redenção final, sempre intitulado por uma máxima qualquer. Infelizmente, James Bridges só não consegue captar o espírito de Nova Iorque como o fez com o espírito do tempo, já que esta é uma personagem importantíssima na trama. Afinal de contas, é Nova Iorque a grande vilã nisto tudo. Woody Allen riu-se quando o viu. Que filmaço teria sido nas mãos de um nova-iorquino de gema. Mesmo assim, digo-vos eu: James Bridges teve aqui o seu McRoyal Deluxe mais sabor; change my mind.

Título: Bright Lights, Big City
Realizador: James Bridges
Ano:
1988

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