| CRÍTICAS | Disponível para Amar

O palmarés de Disponível para Amar é avassalador e é impossível olhar para algumas destas distinções e não ficar impressionado. Destacamos apenas algumas:
– eleito o segundo melhor filme do século XXI pela BBC;
– eleito o 24º melhor filme de sempre pela Sight and Sound;
– eleito um dos 10 melhores filmes de 2000 pela Cahiers do Cinema;
– considerado um dos 1001 filmes a ver antes de morrer pelo crítico Steven Schneider;
– entrada número 147 da colecção Criterion em DVD.
A pressão é muita. Depois disto, quem é que tem coragem para dizer que não gosta do filme de Wong Kar-Wai? Mas tal como há pessoal que olha para os prémios amealhados pelo Ronaldo e que, mesmo assim, tem o descaramento de dizer ele não é grande coisa, também eu tenho tomates para o assumir: não acho Disponível para Amar grande coisa.

Pronto, agora que já desabafei e tirei este peso dos ombros, posso passar para o resto. Disponível Para Amar é, pela temática, um kitchen sink drama, mas com uma abordagem estética e formal característica. É como se Jim Jarmusch fizesse um remake de um melodrama de Douglas Sirk. Um homem (Tony Chiu-Wai Leung) e uma mulher (Maggie Cheung), a viverem recentemente no mesmo prédio, acabam por desenvolver uma relação muito própria para compensarem o facto dos seus cônjuges estarem sempre ausentes. Aliás, Disponível Para Amar é um filme que se constrói a partir das ausências. A esposa de Tony Chiu-Wai Leung e o marido de Maggie Cheung nunca sequer aparecem em cena e desse vazio que se alimenta a relação que nasce entre estes dois e que se esforçam por a manter em segredo. Porque, apesar de não estarem a fazer nada de mal, há que manter as aparências e evitar falatórios desnecessários.

No entanto, ao contrário de um Antonioni – para falar de outro autor cujo corpo de obra é feito do alheamento -, as personagens de Disponível Para Amar parece nunca habitarem verdadeiramente esses vazios e esses silêncios. Por entre uma narrativa que nem sempre é linear e diálogos improvisados – algo que faz parte do processo de trabalho de Wong Dar-Wai -, Disponível Para Amar parece mais feito na sala de edição, numa tentativa forçada de criar alguma química.

Também há sempre uma sensação de que a forma e o conteúdo não se misturam, como a água e o azeite. Disponível Para Amar tem uma cinematografia belíssima, com as suas cores vivas e fortes, os vestidos incríveis de Maggie Cheung (são 46 diferentes ao longo de todo o filme!) e a banda-sonora de Nat King Cole (os seus êxitos en español), que recriam com enorme nostalgia a Hong Kong dos anos 60, mesmo sem nunca lá termos estado ou sabermos sequer como é que era. É óbvio que isso tem valor, pela força da sugestão. No entanto, essa parece ser uma opção estética desligada do argumento, que se limita a reagir a isso, quando deveria ser ao contrário e ser a história a estar ao serviço da mise en scene.

Além disso, à medida que Wong Kar-Wai vai utilizando sempre as mesmas três canções para despoletar sentimentos começamos a sentir-nos como o cão de Pavlov. Só que já não salivamos por um doce, porque começamos a ficar cansados de tanta redundância. É como as panorâmicas características de Wong Kar-Wai, sempre a varrer o plano na horizontal muito lentamente, enquadradas por qualquer coisa desfocada que se mete à frente do plano… à 17ª vez é só chover no molhado.

Disponível Para Amar tem muita coisa bonita e de valor, começando logo pelo gesto de convocar os dois mais famosos actores chineses da altura e coloca-los numa história de amor pouco convencional e ortodoxa. Também costumo ser sempre a favor da economia narrativa, mas um filme como este precisava de mais espaço para respirar, descansar e assentar. No final, a velocidade com que salta entre Hong Kong, Singapura e o Camboja deixa-nos cansados. Queria gostar mais, mas o McChicken já me deixa embaçado.

Título: Fa Yeung Nin Wah
Realizador: Wong Kar-Wai
Ano: 2000

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