| CRÍTICA | A Wonderful Night in Split

Split pode não ter metade da publicidade que tem Dubrovnik, mas continua a ser uma das cidades mais bonitas da Croácia. O seu centro histórico, património da Unesco, remonta ao período romano e é um conjunto de casas de pedra empoleiradas em ruas estreitas, de becos, túneis e ruelas mal iluminadas. Hoje em dia, com a massificação do turismo e a gentrificação, um filme como A Wonderful Night in Split não seria possível, mas na passagem de ano de 1999 era o antro perfeito para drogados, prostitutas e traficantes.

O filme é um crossover de três histórias do submundo de Split, durante o revelhão, filmadas num preto e branco de alto contraste que mergulha o filme num ambiente noir (afinal de contas, é um filme de sombras, literais e simbólicas) e da-lhe uma aura de livro de banda-desenhada (sim, Sin City – Cidade do Pecado é uma referência inevitável, apesar de ser um ano mais velho).

À primeira vista, A Wonderful Night in Split faz lembrar Pulp Fiction, primeiro pelos temas abordados – droga, sexo, tráfico – num estilo muito cool, apologista da violência; e segundo pela estrutura narrativa, num cruzamento de três histórias, do fim para o início, em que nada têm a ver umas com as outras, mas que só fazem sentido juntas. No entanto, apesar da mestria com que dialogam entre si, são estruturalmente mais simples de seguir do que no filme de Quentin Tarantino. Contudo, é o ambiente de film noir aliado à arquitectura de Split, que faz A Wonderful Night in Split parecer uma versão soft de Sin City – Cidade do Pecado.

As três histórias resumem-se muito simplesmente: a primeira tem como protagonista Nike (Mladen Vulic), um dealer apaixonado a serviço da máfia, que vai ser alvo de traição; a segunda tem como persgonagem central a bela Maja (Marija Skaricic), uma adolescente viciada em cocaína, desesperada por uma dose, que aceita ir para a cama com um marinheiro americano (Coolio, esse mesmo, o de as I walk through the valley of the shadow of death); e a terceira e última, roda à volta de um casal de namorados, apostados em perder a virgindade antes da passagem do ano. Estas três histórias têm como ponto-charneira o vocalista de uma banda rock, Dino Dvornik a fazer dele mesmo, que vai actuar no centro de Split a poucas horas do revelhão.

Filme estilizado e muito cool, com um trabalho de câmara típico de primeira obra, em que parece estar sempre a inventar novas formas de enquadrar os planos, A Wonderful Night in Split é ainda a metáfora de um país pós-guerra, marcado pelas cicatrizes de um confronto bélico violento – e se houve zona da Croácia que sofreu durante a desagregação da Jugoslávia foi precisamente a Dalmácia. Visualmente cativante, com uma banda-sonora turbo folk mas sem a apropriação cultural cigana de um Kusturica, abre ainda com um genérico sui generis, em scat, que nos lembra que nos anos 90 houve uma coisa de sucesso chamada Scatman John (a sério, como é que vamos explicar isso aos nossos netos?).

A Wonderful Night in Split tem pinta e um estilo próprio, foge ao convencionalismo e não se assusta em não fazer sentido no final (até parece que Birdman veio tirar o seu final daqui). Além disso, acompanha muito bem um saboroso saco de pipocas. E quem fala em pipocas, fala em Le Big Mac.

Título: Ta Divna Splitska Noc
Realizador: Arson Anton Ostojic
Ano: 2004

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