| CRÍTICAS | Niagara

Um dos problemas dos estereótipos é que se focam e normalizam numa pequena parte de uma pessoa em detrimento do todo. Por exemplo, olhe-se o caso de Marilyn Monroe. Por ter sido uma das mais desejadas mulheres do planeta e por causa de uma filmografia assente sobretudo em comédias (mais ou menos) patetas, criou-se uma imagem feita sua de actriz que só sabia fazer boquinhas.

No entanto, basta olhar para os filmes em que necessitou mesmo de representar para perceber que era uma actriz a sério. Os Inadaptados, esse filme-charneira e quase profeta, será o exemplo mais evidente, mas também Niagara, por exemplo. Aliás, Niagara é um trabalho bem particular dentro do seu corpo de trabalho. Primeiro, porque é o seu único film noir (ainda que seja a cores); e segundo porque é o seu único filme em que faz de má e em que morre no final.

Como o próprio título indicada, o filme passa-se nas cascatas do Niagara e, como tal, não se furta a um par de momentos que serve de postal de férias a esse marco da paisagem da América do Norte. No entanto, pela sua dimensão monumental, serve também para criar um par de cenas memoráveis, fazendo lembrar por exemplo o que Alfred Hitchcock fez com o monte Rushmore, em Intriga Internacional.

É então num aparthotel junto às cataratas do Niagara que se vão hospedar Ray (Max Showalter) e Polly (Jean Peters) Cutler, um jovem casal a celebrar uma lua-de-mel tardia. A cabana que alugaram continua ocupada por um estranho casal com quem vão desenvolver involuntários laços: ele (Joseph Cotten) sofre de stress pós-traumático depois de servir na Coreia e lida com vários fantasmas interiores; ela (Marylin Monroe) parece espicaçar os seus ciúmes, flirtando com outros homens, ao mesmo tempo que se mostra angelical e frágil em público.

Como em qualquer noir, Monroe é a femme fatale típica, que é, simultaneamente, anjo e diabo. É ela o grande dínamo de Niagara, fazendo em água a já muito desfeita cabeça do marido e vendendo publicamente uma imagem dele desgastada, ao mesmo tempo que ensaia o seu assassinato com um mangas de alpaca qualquer com quem planeia fugir. Jean Peters, que é a verdadeira heroína deste filme extremamente feminino, acaba por se assumir como a grande protagonista e como a antítese de Marylin Monroe, ao se tornar numa inesperada aliada do atormentado marido traído e que culmina mesmo no final apoteótico, à deriva num barco que se aproxima tragicamente das quedas de água do Niagara.

Intriga Internacional não é a única referência a Alfred Hitchcock que encontramos em Niagara. Também A Mulher Que Viveu Duas Vezes parece ter vindo aqui beber inspiração directamente, primeiro na forma como Joseph Cotten sobrevive ao atentado orquestrado por Marylin Monroe e regressa para uma segunda vida, e segundo numa cena igualmente icónica rodada no topo da torre dos sinos, a Rainbow Tower. São estes momentos que catapultam Niagara para além do policial convencional, algures em redor do McChicken. Como se qualquer filme com Marylin Monroe pudesse ser simplesmente convencional, não é?

Titulo: Niagara
Realizador: Henry Hathaway
Ano: 1953

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