| CRÍTICAS | A Lagoa Azul

Quem nasceu antes da década de 90 teve dois filmes obrigatórios na sua infância: A Lagoa Azul e A Guerra Do Fogo. Ambos são duas histórias intemporais, que abordam temas daqueles que é complicado aos pais ensinar aos filhos e que, por isso, preferem metê-los a ver um vídeo que possa esclarece-los sem grande trabalho, recorrendo a artifícios dramáticos que respeitam todos os valores familiares e cristãos, apesar de ter nudez e abordar sexo. É que é sexo, mas com respeitinho.

Dos dois, A Lagoa Azul é o que mais contribuiu para a cultura popular. Não obstante o modesto orçamento (apesar de ser um filme de época, só nos apercebemos disso porque o genérico inicial começa com duas ilustrações da Inglaterra vitoriana(!)), o filme tornou-se num sucesso gigantesco, catapultando duas teen-stars para a ribalta, que nunca mais fizeram nada de jeito, mas ficaram coladas para sempre a esses papéis: Brooke Shields, cujo casamento com Andre Agassi também deu que falar, e Christopher Atkins, que nunca mais fez nada na vida.

A história é simples: numa viagem para São Francisco, um barco naufraga, deixando o cozinheiro-pirata (Leo McKern) sozinho numa ilha, com duas crianças (Brooke Shields e Cristopher Atkins). No entanto, este morre cedo, vitima do rum, deixando os petizes sem essa figura paternal e obrigando-os a crescerem sozinhos, numa bonita história de sobrevivência, numa ilha paradisíaca. A estrutura é a de Robison Crusoé, pois claro, mas em cenário idílico e sem perigos, aventura ou acção. Porque aqui o que interessa são aqueles rituais de passagem e de crescimento.

Os dois jovens crescem então de forma natural (e naturalista, uma vez que andam quase sempre desnudados) e ingénua (parecem a Nell, por vezes), criando as suas próprias explicações para fenómenos que não compreendem, como o aparecimento do período ou a chuva que cai do céu. Igualmente ingénuo e naife é o próprio filme, onde não há profundidade dramática e o irrealismo é atroz. Como alguém disse, o argumento, o desenvolvimento das personagens, a capacidade de sobrevivência na natureza ou os julgamentos interiores são os absolutos epítetos da ficção.

A Lagoa Azul parece então uma história bíblica. E bem pode ser comparado, com algum esforço, a propaganda cristã, principalmente pelo temor e crença a Deus que as crianças desenvolvem desde pequeninos. Qual Adão e Eva, são dois humanos a crescerem educados pelos verdadeiros valores morais cristãos, terminando num final com tanto de feliz como de forçado. No entanto, tudo isto ganha inesperada agradabilidade e aguentamos a passagem do tempo com a mesma indiferença com que os jovens actores representam, ou seja, com a mesma emoção de uma laranja com dois furinhos – Brooke Shields foi, inclusive, a primeira actriz a ganhar um Razzie à conta deste filme. Não é por acaso que é considerado um dos cem maus filmes mais agradáveis de se ver pelo fundador dos Razzies.

E depois, claro, há uma enorme eroticidade e sensualidade em todo o filme. Brooke Shields está sempre nua e, apesar de ter uma dupla de corpo para as cenas em que mostra as mamas, torna o filme demasiado desconfortável. A actriz tinha 14(!) anos à altura… e estamos a ver um filme em que dois primos(!) têm sexo e um filho(!!). Aliás, todo o filme é sobre isto: dois jovens que se vão descobrindo a si e aos seus corpos, até acabarem em cópula desenfreada diariamente, como dois coelhos. A ilha deserta é só para disfarçar. Concordo que é um dos piores Double Cheeseburgers mais apetitosos de se devorar.

Título: The Blue Lagoon
Realizador: Randal Kleiser
Ano: 1980

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