| CRÍTICAS | Val

Já todos nos questionamos, pelo menos uma vez na vida, sobre o que terá acontecido a Val Kilmer. É certo que aqui há tempos chegou-nos noticias de um cancro que lhe danificou as cordas vocais e que o deixaram a falar por um buraquinho na garganta, mas já antes disso Kilmer tinha desaparecido. Uma das mais brilhantes estrelas dos anos 90, depois de ter interpretado Jim Morrison, o Santo ou o Batman, rapidamente entrou num ocaso a partir da mudança de século. Os rumores de ter um feitiozinho de merda no plateau, tiques de prima-dona e complexo de estrela eram mais do que conhecidos, mas terá sido isso suficiente para o seu apagamento?

Eis então que chega Val, o documentário biográfico assinado pelo próprio. Durante toda a sua carreira, Val Kilmer foi documentando a sua vida com camcorders que levava para todo o lado. Agora, quase a fazer 62 anos e com a saúde debilitada que o impedirá de regressar de vez ao grande ecrã (e ao palco, que gosta mais do que do cinema), Val Kilmer decidiu ir olhar para esse material, analisar o seu passado e avaliar a sua obra.

Val é construído então a partir de dezenas de horas de home videos, que incluem filmagens caseiras dos filmes que fazia com os irmãos, coisas mais cândidas com os filhos, audições que enviava espontaneamente a produtores (foi assim que conseguiu o papel de Jim Morrison) e muitas imagens atrás das cenas, nos camarins e nos plateaus por onde passou durante a sua carreira de actor. Ou seja, é como o Tarnation, mas sem a componente diarística. Depois chama o filho para narrar e a dupla Ting Poo e Leo Scott seguem-no ainda durante mais alguns momentos, no seu dia-a-dia em casa, a fazer arte, ou em presenças em comic cons e afins.

Val é assim um documentário intimista e extremamente pessoal, em que Val Kilmer abre as portas da sua privacidade a toda a gente. Nunca se prende demoradamente num tema, mas não tem problemas em abordar alguns dos traumas que o marcaram para a vida, como a morte precoce do irmão, aos 12 anos, ou a relação com os pais. Depois, quando aborda a parte pública da sua vida, aquela com que estamos mais familiarizados pelas parangonas dos tablóides, a coisa soa um pouco a higienização. Não há qualquer referência ao seu mau feitio e exigências extravagantes, exceptuando excertos de entrevistas de alguns amigos, como Robert Downey Jr., que defendem-no antes como um perfeccionista; as acusações de maus tratos à mulher é como se nunca existissem; e toda a sua análise à carreira de actor é trespassada por uma sensação de injustiça, que nunca fez jus ao seu real valor (ou, pelo menos, aquele que acha ter).

Por isso, Val não deixa de deixar uma sensação agridoce na boca. Por um lado, é extremamente interessante (e desperta a nossa faceta de voyeur) ver os bastidores de filmes como Top Gun – Ases Indomáveis, Batman Para Sempre ou The Doors – O Mito de uma Geração, especialmente a partir de vídeos caseiros, que têm sempre uma proximidade maior, mais familiar, para com as coisas. Por outro, parece sempre que Val Kilmer se retrai no último momento e prefere sempre ficar no politicamente correcto, para não ferir susceptibilidades.

O melhor exemplo disso é quando é abordado o infame A Ilha do Dr. Moreau. Já todos vimos o documentário Lost Soul e sabemos como foi o pandemónio das filmagens e da produção deste filme que levou à loucura de Richard Stanley. Por isso, quando vemos a versão de Val Kilmer, ficamos com dúvidas se está a falar da mesma coisa. De acordo com Val, A Ilha do Dr. Moreau foi apenas uma produção que derrapou ligeiramente e que foi parar às mãos de um realizador que precisou se queimar etapas para cumprir os prazos acordados, normalizando inclusive Marlon Brando – o seu grande ídolo – ao defender as suas atitudes de prima-dona como as “manifestações do seu génio criativo”. Será que Val Kilmer está mesmo a falar a sério e não consegue ver a diferença? Isso explicaria muita coisa… Mas agora pelo menos já sabemos o que aconteceu a Val Kilmer; aconteceu um McChicken.

Título: Val
Realizador: Ting Poo & Leo Scott
Ano: 2021

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